(todas as imagens desse post são da versão 2007 de Persuasão para a BBC, de Adrian Shergold) Aqui, Rupert Penry-Jones na cena em que Frederick chega ao concerto. Essa é a ocasião em que ficamos sabendo que ele é não apenas bonito (como havia sido dito antes), mas extremamente belo (fato que chama a atenção até da Viscondessa Dalrymple).
"You pierce my soul. I am half agony, half hope. Tell me not that I am too late, that such precious feelings are gone for ever. I offer myself to you again with a heart even more your own, than when you almost broke it eight years and a half ago". (Persuasion, Penguin Classics, p.222)
"Anne transpassa-me a alma. Sinto-me entre a agonia e a esperança. Não me diga que é demasiado tarde, que sentimentos tão preciosos morreram para sempre. Declaro-me novamente a si com um coração que é ainda mais seu do que quando o despedaçou há oito anos e meio". (Trad. Isabel Sequeira, p. 257, disponível no Scrib)
"Você me dilacera a alma. Sou metade esperança, metade desespero. Diga-me que não é tarde demais, que tais sentimentos preciosos não desapareceram completamente. Ofereço-me a você mais uma vez com um coração que lhe pertence ainda mais do que há oito anos e meio, quando você quase o despedaçou".
(Em continuação ao meu primeiro post sobre Persuasão, após semana que deixou um saldo de 5 leões falecidos...)
Qual leitora ou leitor nunca leu esse início da carta de Frederick Wentworth para Anne sem se emocionar profundamente? Entretanto, analisando bem, há algo de estranho nela, de fora do normal austeano. A sensação que dá é que, de tanto fazer a pobre da Anne Elliot sofrer, Jane Austen resolveu se permitir uma "indulgência romântica".
A arte de persuadir está inserida na tradição da retórica e se relaciona a uma habilidade de certo modo ambígüa. Aquele que persuade não necessariamente convoca a razão ou busca imprimir a preponderância do bem, mas também - ao fazer uso destas justificativas - termina por estabelecer (ou sublinhar) um tipo de poder que exerce sobre os outros. Basta lembrar a história bíblica da serpente que persuade Eva a provar do fruto proibido que, por sua vez, persuade Adão. Em última instância, Eva e Adão foram expulsos do paraíso como conseqüência de haverem sido persuadidos. Como lembra Gillian Beer, professora de Inglês na Universidade de Cambridge e autora da introdução das edições Penguin Classics, o "escritor de ficção é, antes de mais nada, um grande persuasivo".
(Foto: Ruppert Penry-Jones e Sally Hawkins, como Frederick e Anne)
Daí talvez a grande carga emocional que este romance tem, em lugar da ironia típica de Jane Austen. É preciso ter uma certa sintonia íntima com alguém a quem a opinião é submetida. A medida da influência de Anne Elliot sobre os outros, por exemplo, nos é dada logo de início, quando vai morar na casa da irmã, Mary, e ela precisa ouvir do cunhado:
"I wish you could persuade Mary not to be always fancying herself ill".
"Gostava que convencesses Mary a não se imaginar sempre doente". (trad. Isabel Sequeira, Scrib.)
E Mary, por sua vez, pedia à Anne:
"If you would, you might persuade him that I really am very ill - a great deal worse than I ever own".
"Tenho a certeza, Anne, de que, se quisesses, podias convencê-lo de que estou realmente doente...muito pior do que eu própria estou disposta a admitir".
E de uma das cunhadas:
"I wish any body could give Mary a hint that it would be a great deal better if she were not so very tenacious; especially, if she would not be always putting herself forward to take place of mamma."
"Gostava que alguém dissesse a Mary que seria muito melhor que ela não fosse tão obstinada, especialmente que não quisesse ir sempre à frente da mamãe".
(todas acima, Penguin Classics, pp. 42-44, tradução Isabel Sequeira, Scrib, pp.55-58)
Curiosamente, Anne é totalmente determinada no trecho logo a seguir, quando o sobrinho se acidenta:
"[...]He (Charles) had no farther scruples as to her being left do dine alone, though he still wanted her to join them in the evening, when the child might be at rest for the night, and kindly urged her to let him come and fetch her; but she was quite unpersuadable". (Penguin Classics, p.54)
"[...]Ele (Charles) perdeu a relutância em deixá-la jantar sozinha, embora ainda pretendesse que ela fosse ter com eles, mais tarde, quando o garoto estivesse a dormir, e insistiu com ela para que o deixasse mandar buscá-la, mas ela não se deixou persuadir". (trad. Isabel Sequeira, Scrib, p. 74)
Harold Bloom, no capítulo dedicado à Jane Austen e Persuasão, do seu the Western Canon, entitulado "Canonical Memory" (Memória Canônica), afirma:
"No one has suggested that Jane Austen becomes a High Romantic in Persuasion [...]. But her severe distrust of imagination and of 'romantic love', so prevalent in the earlier novels, is not a factor in Persuasion. Anne and Wentworth maintain their affection for each other throughout eight years of hopeless separation, and each has the power of imagination to conceive of a triumphant reconciliation. This is material for a romance, not for an ironical novel". (p.241)
"Ninguém sugeriu que Jane Austen tenha se tornado uma Grande Romântica em Persuasão. {...} Mas o profundo descrédito do 'amor romântico', mais incisivo nos romances anteriores, não é um fator em Persuasão. Anne e Wentworth mantêm o afeto um pelo outro por oito anos de irremediável separação e ambos têm o poder da imaginação de conceber uma reconciliação triunfante. Isto é material para uma novela, não para um romance irônico". (241)
Trio fantástico: Julia Davis, Sally Hawkins e a HILÁRIA Amanda Hale, como Elizabeth, Anne e Mary.
O tema mesmo que é colocado no título do romance poderia ser também uma espécie de jogo? Uma palavra, como na música há um leit motiv sobre o qual as frases irão se desenvolver? É nesse sentido que se deve entender esses vários indícios espalhados pelo texto, como se ela, a autora, dissesse - você também leitor, não perca de vista isso - também está sendo persuadido!
Aquela agonia lenta, a que Anne Elliot é submetida - junto com o leitor, diga-se de passagem - é o que torna tão preciosa a carta final de Wentworth. Por isso tantas vezes se diz que Persuasão é um romance sobre uma espera. Eu diria que o romance é dividido em duas parte. Na primeira, sim, pode-se dizer que se trata de esperar o tempo todo. O ritmo é quase interno, é nessa parte que o leitor se familiariza com os sentimentos e o caráter de Anne Elliot. Anne espera que Wentworth chegue à Kellynch estate, depois aguarda um encontro inevitável, depois espera que Louise Musgrove se recupere, depois espera pelo anúncio de um noivado. E aí, já em Bath, acabam-se as esperas. Começa a segunda parte que não tem nada de espera. É como se Anne - junto com o leitor - estive só se alimentando dos acontecimentos que ocorrem à sua revelia. Mas na segunda parte, não. Ela é quem age e ela é quem determina a partir daí o desenrolar dos acontecimentos. Nesse sentido, Anne é parecida com Fanny Price apenas no que diz respeito à primeira parte. Na segunda, ela não podia ser mais distante de Fanny. Talvez, por essa razão - e apenas por essa - poderia-se comparar Anne Elliot com Elizabeth Bennet. Ela afirma em alto em bom som suas idéias sempre que surge uma oportunidade, ela age conforme seu íntimo lhe indica e, dessa vez, sem admitir ser persuadida do contrário.
Tobias Menzies, como William Elliot, em diálogo preciso, sendo decantado pela verve da prima.