Colin Firth e Jennifer Ehle, Darcy e Elizabeth da versão para televisão da BBC de Orgulho e Preconceito de 1995. A série de seis episódios se tornou "fetiche" entre as admiradoras de Jane Austen, arregimentando uma legião de fãs.
Dando continuidade à série Meus amigos de papel, em que eu falo dos personagens literários que me marcaram, tendo já abordado aqui o narrador proustiano e o Conselheiro Aires (de Machado de Assis), agora vou comentar sobre Elizabeth Bennet, de Jane Austen. Este mês de janeiro de 2013 marca uma data importantíssima para os fãs da escritora inglesa. Trata-se nada menos do que o bicentenário de Orgulho e Preconceito, publicado em janeiro de 1813 e considerado o mais popular e o mais importante dos romances da escritora inglesa. A obra persiste na preferência do público e ganhou inúmeras versões para o cinema e a televisão, sendo, porém, a mais popular entre as janeites (como são chamadas as fãs de Jane) a de 1995 da BBC, com Jenniffer Ehle e Colin Firth nos papéis principais.
Uma grande "amiga de papel" que me acompanha há muitos anos é Elizabeth Bennet, de Orgulho e Preconceito. Não sei se porque tínhamos a mesma idade quando nos conhecemos (20 anos), ou porque ambas não tínhamos "papas na língua", o fato foi que, como acontece com muitos leitores de Jane Austen, fiquei encantada por "Lizzy". Hoje em dia, com a maturidade, eu ainda acho a personagem apaixonante, porém de fato me identifico muito mais com a paciência de uma Anne Elliot (de Persuasão) e a perserverança de Fanny Price (de Mansfield Park), outras personagens femininas de Austen, bem menos bombásticas. Entretanto, Elizabeth Bennet é uma das personagens mais relevantes de toda a literatura do século XIX, essencialmente pela inteligência, jovialidade, independência intelectual e moral e excelente senso de humor. A própria Austen ficou muito feliz com a criação de Elizabeth e chegou a escrever em uma carta que ela é "uma criatura adorável como jamais outra apareceu em letras impressas" (Orgulho e Preconceito, Prefácio, p.11).
Elizabeth, assim como a própria Jane Austen, é uma grande leitora, porém sem a afetação da irmã Mary, ela lê essencialmente por prazer. Na imagem acima, Keira Knightley como Elizabeth Bennet, na versão de 2005 de Joe Wright. Embora a adaptação de Wright tenha ambientado a história no final do século XVIII (e não no início do século XIX, pois o livro é de 1813), é pouco provável que Lizzy passeasse tão descabelada assim, afinal, as Bennet não tinham posses, mas NÃO ERAM pobres, elas tinham servas para penteá-las. Mas a versão de Wright optou por apelar para um público incapaz de compreender um filme de época e fez mil concessões pós-modernas (como o encontro entre Elizabeth e Darcy de madrugada, em um descampado, em roupas de dormir!).
Elizabeth é a segunda das cinco filhas da família Bennet. O pai delas é um culto cavalheiro inglês que possui a propriedade de Longbourn, em Hertfordshire, onde a família mora. Ele se casou com uma jovem muito bonita que, entretanto, mostrou-se extremamente superficial e intelectualmente limitada a quem estava inexoravelmente ligado pelo matrimônio. Como eles tiveram apenas filhas, a propriedade de Longbourn deveria ser transmitida ao herdeiro masculino mais próximo, que se tratava do sr. Collins, um tolo e bajulador clérigo que, apenas pelo exclusivo direito de herdeiro, julga-se na posição superior de pedir a mão de uma das suas cinco primas da família Bennet. A escolha recai sobre a bonita e esperta Elizabeth que o rechaça o mais diretamente possível. A grande preocupação da sra. Bennet é casar as filhas o quanto antes, de preferência, com alguém muito rico. O livro é uma comédia de costumes e o casamento, longe de ser um assunto pessoal ou familiar é a única forma de sustento viável para essas moças "com uma certa posição, mas sem dinheiro".
No prefácio da excelente edição da Penguin/Cia. das Letras, Vivien Jones afirma que "Elizabeth Bennet encarna um tipo muito diferente de feminilidade daquele da heroína romântica tipicamente passiva, vulnerável e infantilizada; sua astúcia e franqueza ao falar fazem dela a mais atraente das protagonistas de Jane Austen" (Orgulho e Preconceito, Prefácio, p.11).
De fato, a sagacidade de Elizabeth ao agir e falar impressionam até hoje e o embate que ela irá travar com Darcy ao longo do romance - talvez o único personagem que se equipare a ela em inteligência e charme - é certamente o que torna Orgulho e Preconceito um dos livros mais queridos do público feminino (e eventualmente, masculino).
A dança: um dos mais importantes momentos do embate entre Darcy e Lizzy (Matthew Macfadyen e Keira Knightley na versão cinematográfica de 2005). O mais doce Darcy que já apareceu nas telas. Fiquei com a impressão que ele iria chorar a qualquer momento e tenho dúvidas se ele não aproveitou a chuva no encontro da madrugada para fazer isso.
Algumas passagens maravilhosas que resumem o caráter de Elizabeth.
Um exemplo é a recusa à proposta de casamento feita pelo primo dela, o sr. Collins. Ele não admite a possibilidade de ela recusá-lo e atribui a negativa à "coqueteria" feminina, que diz "não" quando, na verdade, quer dizer "sim". Sobre tal conjectura, Lizzy, responde:
"Posso lhe garantir, senhor, que não tenho nenhuma pretensão a um tipo de elegância que consiste em atormentar homens respeitáveis. Preferiria o elogio de me acreditar uma pessoa sincera. [...] Como posso ser mais clara? Não me considere neste momento um exemplo de elegância feminina desejando enfeitiçá-lo, mas uma criatura racional, falando a verdade de seu coração." (O&P, Vol. I, Cap.XIX, p. 222).
À impertinente e autoritária Lady Catherine De Bourgh, que fica chocada ao descobrir que todas as irmãs Bennet já frequentam a sociedade (quando o costume é que as mais novas só sejam apresentadas após o casamento das mais velhas) e pergunta quantos anos Elizabeth tem, ela responde:
"Com três irmãs mais novas crescidas, a senhora há de esperar que eu não o confesse". (O&P, Vol.II, Cap. VI, p.286)
Isso porque, embora Elizabeth tivesse apenas 20 anos, ela já estava em idade para se casar na época.
Em ocasião de uma conversa na casa de Bingley, em que Darcy e a srta.Bingley enumeram uma gama de qualificações que uma moça precisa ter para ser considerada bem educada, Elizabeth se dirige à Darcy, que havia dito conhecer apenas seis mulheres com tais características:
"Já não me surpreende que conheça apenas seis mulheres prendadas. Chego a duvidar que você conheça uma única". (O&P, Vol. I, cap. VIII, p.144)
Em diálogo com Jane, sua irmã mais velha e principal companheira de confidências, Elizabeth a censura pela falta de senso crítico, a despeito da inteligência da irmã:
"É isso o mais estranho. Que, com todo o seu bom senso, você seja tão honestamente cega para as tolices e bobagens dos outros"! (O&P, Vol. I, cap.IV)
Enxergar o que há de ridículo e passageiro em uma sociedade em transformação como a Inglaterra do século XIX não era tarefa pequena para uma jovem de 20 anos, mas pelo menos Elizabeth Bennet não desiste.
Edição utilizada nas citações: Orgulho e Preconceito, Penguin/Cia. das Letras,tradução para o português de Alexandre Barbosa de Souza, Prefácio e notas de Vivien Jones, Introdução de Tony Tanner, São Paulo, 2011.