Micha Lescot, interpretando o narrador e Jean-Claude Drouot como Elstir de Em busca do tempo perdido, adaptação de Nina Companeez para a televisão, que foi exibida ano passado na França (ai,ai...). Fonte aqui.
Dando início à série intitulada Meus amigos de papel, começo sem nenhuma ordem cronológica ou de preferência, apenas ao acaso, com aquele que me ocorre primeiro: o narrador proustiano.
A primeira vez que li - de uma só tacada, diga-se - os sete volumes publicados pela editora Globo de Em busca do tempo perdido, eu tinha por volta de 20 anos. Foi sintonia à primeira vista.
O delicioso "bando" de Albertine Simonet, que encanta o narrador em viagem à praia. Fonte aqui.
O narrador proustiano apenas em dois momentos do livro é quase nomeado - Albertine o chama pelo nome, ele não revela que nome é, apenas diz que se fosse o mesmo do autor, seria Marcel. Muita gente se confunde com esse trecho e acha que o nome do narrador é Marcel, mas vejam bem: ele nunca afirmou isso.
Caroline Tilette, como Albertine, e Micha Lescot, como o narrador, na mesma adaptação.
L'hésitation du réveil, révélée par son silence, ne l'était pas par son regard. Dès qu'elle retrouvait la parole elle disait : « Mon » ou « Mon chéri » suivis l'un ou l'autre de mon nom de baptême, ce qui, en donnant au narrateur le même nom qu'à l'auteur de ce livre, eût fait : « Mon Marcel », « Mon chéri Marcel ». Je ne permettais plus dès lors qu'en famille nos parents, en m'appelant aussi « chéri », ôtassent leur prix d'être uniques aux mots délicieux que me disait Albertine."
(Marcel Proust, La Prisonnière, texto na íntegra online aqui).
"A hesitação do acordar revelada pelo seu silêncio não o era pelo seu olhar. Logo que se recuperava a palavra, dizia: "Meu" ou "Meu querido", seguidos um ou outro do meu nome de batismo, o que, atribuindo ao narrador o mesmo nome que ao autor deste livro, daria: "Meu Marcel", "Meu querido Marcel". Já eu não consentia desde então que em família os parentes, chamando-me também querido, tirassem às palavras deliciosas que me dizia Albertine o privilégio de serem únicas."
(A prisioneira, Marcel Proust, trad. Manuel Bandeira, Lourdes Sousa de Alencar, p. 67, Editora Globo, 1989).
O motorista de Proust, Alfred Agostinelli, que foge da casa do escritor, voltando para Mônaco (fato que deixa Proust desesperando, oferecendo qualquer quantia para que ele voltasse) e que morre em um acidente de avião, aos 26 anos. Ele seria a verdadeira inspiração para Albertine.
O narrador de Em busca...perpassa diversas épocas (de 1878 a 1918), meios sociais (burguês, aristocrata, militar, doméstico), lugares (Combray, Balbec, Paris), amores (hetero e homossexuais), crítica de arte (pintura, música, literatura, teatro), contando a sua vida desde a infância até os dias atuais. A própria história que ele conta é o seu esforço para relembrar o passado, que escapando à memória ressurge a partir das sensações, das imagens recriadas, dos ambientes e sobretudo das pessoas que conheceu e amou. Ele nos confidencia tudo, absolutamente tudo. Sabemos o que ele vê, o que ele sente, o que ele despreza e glorifica. Às vezes discordamos dele, mas mais frequentemente submetemo-nos ao seu enorme poder de escrutínio da realidade e passamos a ver o mundo - no caso, o nosso - também com olhos diferentes. Sentimos ternura por Swann e, posteriormente, desprezo. Apaixonamo-nos pela menina mimada Berthe, mais tarde sentimos pena da Berthe traída pelo belo e rico marido. Todos os personagens são vistos à luz da consciência do narrador que nos acompanha nessa trajetória descomunal de captar um mundo em transformação, com pessoas cheias de traumas, psicoses, invejas, ciúmes, egoísmo, onde os inocentes são apenas menos inteligentes que os outros.
Quem nunca leu Em busca do tempo perdido não sabe literalmente o que está perdendo. Ou quem leu apenas o primeiro volume não chegou sequer ao estofo principal. Coragem leitores, tomem fôlego e entrem de cabeça!
Aqui a chamada da adatação de Nina Companeez para os telespectadores franceses (INVEJA, INVEJA!!!!!):