Foto: Teatro Nacional de Luxemburgo, divulgação da peça Elektra.
Aos 59 anos, Siri Hustvedt é uma escritora potente, que sabe onde quer chegar e domina a palavra de tal maneira que faz com que sigamos sua trilha até o fim. Seu último livro, de 2011, publicado em 2013 pela Cia. das Letras, é o romance O verão sem homens. O livro, que tem algo de autobiográfico, é uma viagem pelo país das maravilhas das mulheres. Tal qual Alice de Lewis Carrol, a heroína Mia, uma culta e experiente escritora de Nova Iorque, é levada a um lugar "fantástico": a inexplicável e insondável cabeça feminina. Ou, mais precisamente, a sua cidade natal, no interior dos Estados Unidos, onde basicamente terá que se relacionar com diferentes sociedades de mulheres: a da sua mãe e suas quatro amigas, todas na faixa dos 80-90 anos; a das suas alunas de poesia, uma cambada de pré-adolescentes que acabam por se mostrar no decorrer da narrativa mais sulfurosas do que pareciam no início; sua vizinha e filhos (sendo o bebê dela o único homem com quem Mia se relaciona, fora o interlocutor misterioso por e-mail, que, afinal, pode ser também uma mulher); e, por fim, a irmã e a filha única, que vêm ao encontro dela. O auto-exílio na cidade ficcional de Bonden, Minnesota, tem uma causa precisa: a habitual troca da esposa-sessentona-pela-jovem-fértil e a subsequente decadência psicológica da dita esposa. A escolha do nome tem origens norueguesas, como Siri: Bonden quer dizer "o fazendeiro", mas também tem o duplo sentido em inglês de amarras, no sentido positivo (laços de família) e negativo (restrições).
Série da BBC baseada em Persuasão, de 2007.
No plano literário, o livro transborda a erudição ímpar da escritora, com referências científicas, filosóficas e literárias. Em particular, a autora inglesa Jane Austen, da qual ela cita ao pé da letra um trecho de Persuasão, o último romance da escritora queridinha de milhares, inclusive desta que vos escreve. O trecho é o da discussão entre a heroína Anne Elliot e o Capitão Harville sobre a inconstância da alma feminina, em comparação com a masculina. O trecho chega a ser irônico, pois sabemos que o marido de Mia a trocou por uma jovem francesa. Mas não é só aí que notamos a referência a Austen. O livro como um todo é uma homenagem à escritora. Há diversas outras semelhanças que remetem à literatura de Jane Austen: o fato de tratar quase exclusivamente do universo feminino, o fato de a mãe e as cinco amigas formarem um grupo coeso de "cisnes", assim como as cinco irmãs Bennet, de Orgulho e Preconceito; as meninas-más de Bonden, as irmãs tão opostas mas unidas, como Marianne e Elinor Dashwood, de Razão e Sensibilidade e, por fim, as complexas relações entre mãe e filha, com semelhanças e distâncias entre a obra das duas escritoras.
Siri Hustvedt e o marido, o escritor Paul Auster, ladeando a cria, a cantora e atriz Sophie Auster.
O livro traz muito material autobiográfico (ou, mais precisamente, autoficcional), o que só fortalece a narrativa. Siri Husteved, assim como Mia Frederickson, é escritora e nascida em Minneapolis. Ambas têm apenas uma filha: Daisy (Mia) e Sophie (Siri). A filha de ambas é uma bela atriz. O marido é um homem mais velho e, não estamos a par se Paul Auster a trocou um dia por uma jovem francesa, mas ambos viajam com frequencia para a França, onde têm uma legião de fãs (se eu fosse Paul Auster, não trocaria Siri por nada neste mundo!).
"Ela é linda, além de tudo. Como Boris e eu fomos capazes de gerá-la é um enigma, mas os dados genéticos são imponderáveis. Nenhum de nós é feio [...], entretanto Daisy está em outro patamar, e é difícil parar de olhar para minha filha quando ela está por perto". (Siri Hustvedt, O verão sem homens, p. 181)
Mas o mais bacana, o mais sensacional, o mais extraordinário do romance de Siri Hustvedt não é nada do que foi dito até agora. É simplesmente a narrativa deliciosa, irônica e simples. Sem grandes complicações, Siri nos leva a nos encarar (a nós, mulheres) como realmente somos, para o bem e para o mal, e a fazer os homens perceberem que há muito, muito mais a ver do que ponta do iceberg previa. Bon voyage!
Márcia,
não respondi(no Facebook) até achar a capa de um livro, que quase comprei por ter me apaixonado pela , e que eu tinha quase certeza que era dessa autora. Encontrei, é "O que eu amava" e foi publicado pela Companhia Das Letras tamnbém. Adoro a tipografia, a natureza morta e a singeleza dessa capa. Acabei que nunca comprei o livro então não posso dizer nada além do meu encantamento com a capa!
Lá vou eu escrever mais um livro em minha infindável lista para ler...
(Coloquei link no Face da capa)
Posted by: Raquel Sallaberry | quarta-feira, março 12, 2014 at 15:15