Miranda July, cineasta, atriz e artista perfomática.
Fourmillante cité, cité pleine de rêves, où le spectre, en plein jour, raccroche le passant!
Cidade a fervilhar, cheia de sonhos, onde o espectro, em pleno dia, agarra-se ao passante!
Charles Beaudelaire, trad. Ivan Junqueira
A solidão na metrópole é um dos temas preferenciais da modernidade, como notoriamente destacou o poeta Charles Baudelaire, nos seus poemas agrupados em "Retratos Parisienses",
publicados na segunda edição de Flores do Mal, de 1861. Vivemos na mais extrema solidão, cercados de milhares de pessoas em situação idêntica. Hoje, na era do Facebook, a contradição se radicaliza: temos duzentos "amigos" no nosso perfil, mas não falamos com ninguém. Sabemos o que essas pessoas comem, onde elas passam as férias ou trabalham, mas, de fato, que interação há nesse ambiente virtual?
No livro O escolhido foi você, lançado em 2012 pela Cia. das Letras, a artista, atriz e cineasta Miranda July invade a vida daqueles que poderiam, no máximo, ser paisagem, através de um recurso inusitado e uma disposição um tanto interesseira. Bloqueada em momento de conclusão do roteiro do seu filme O Futuro, Miranda July resolve mudar de foco ao ler o jornal de anúncios semanal que chega à sua casa, em Los Angeles, o PennySaver (algo como o extinto O Balcão, no Rio de Janeiro). No país dos excessos e do alto consumo, ela descobre alguma coisa não muito destacada: pessoas que simplesmente não jogam coisas inúteis e velhas fora, mas que as usam para ganhar um dinheirinho extra. Ou que incorporam um ângulo bizarro do sonho americano, usando a criatividade para produzir e comercializar – digamos – girinos ou gatos-de-bengala.
O livro resulta em um conjunto de entrevistas com fotos que ela faz com os anunciantes do PennySaver, que ela seleciona e visita com uma curiosa receptividade. Digo curiosa porque o fato de as pessoas a receberem tão bem é indicativo que talvez elas desejem mais do que vender algo, talvez elas na verdade sintam necessidade de se conectar de algum modo ao mundo e às pessoas (com algumas exceções, as pessoas visitadas por Miranda July não têm acesso direto à internet, por exemplo). O que faz total sentido que no país do consumo as pessoas tentem se conectar através da venda de algum produto.
Michael, classificado como o vendedor da "jaqueta de couro preta, tamanho grande, US$ 10,00". Miranda etiqueta as pessoas como seus produtos.
O grande trunfo do livro é igualmente o seu demérito. Ela faz só o que as crianças ou os loucos são capazes. De perguntar, por exemplo, com o ar mais natural possível, as questões mais improváveis. Entretanto, irrita-nos a excessiva superficialidade da narradora que, ao ouvir as histórias mais inusitadas decide-se por escapar, como se estivesse ali efetivamente apenas para constatar se determinada "personagem" pode ou não se encaixar nos seus interesses artísticos. Como uma criança egocêntrica, o mundo lhe interessa enquanto recurso para alimentar seus próprios dilemas, não como espaço efetivo de reflexão. Fraqueza que ela expõe, orgulhosamente, na parlenda do título do livro.