O pianista Glenn Gould, nascido há 80 anos e morto há 30, deixou um legado musical ímpar.
Há 80 anos, em 25 de setembro de 1932, nascia Glenn Herbert Gould, o canadense que se tornaria famoso por suas interpretações pouco ortodoxas e ganharia fama internacional em 1955, ao executar as Variações Goldberg, de Johann Sebastian Bach. Ele abandonou os palcos em 1964, após uma curta carreira, dedicando-se exclusivamente a gravações e a outros projetos, como um programa na televisão canadense e no rádio. Com um estilo de tocar considerado no mínimo excêntrico, Gould arrebatou platéias no mundo todo, inovando em tudo: desde a escolha do repertório inusitado até a maneira de trabalhar cada peça, alterando a idéia vigente acadêmica do compositor em questão, modificando a pulsação da música e recriando-a, dando-lhe novos sentidos. Eu mesma confesso que, embora seja fascinada por ele, não consigo compreender suas interpretações de Mozart (que, diga-se, ele abertamente odiava e tocava de uma maneira estranhíssima). Mas foi com Bach que Gould primeiramente fez a sua fama.
Como bem resumiu o jornalista Tom Service, do The Guardian, em reportagem sobre Gould: "Ela soa como algo que você nunca ouviu antes, não importa quantas vezes você a tenha ouvido, a primeira gravação de Glenn Gould para as Variações Goldberg tem uma energia, uma intensidade e uma alegria tão irresistíveis hoje quanto foi para a audiência de 60 anos atrás."
A casa da família de Gould, em Toronto. Fonte: Biblioteca nacional do Canadá.
Gould não foi apenas um músico genial, mas um visionário, que viu o sistema de concertos tal como uma máquina destruidora de personalidades e adotou a tecnologia como seu foco de trabalho. Ele usava a rádio e a televisão para se comunicar e foi um dos mais populares artistas clássicos até hoje, transformando-se em um ícone, uma prima donna, um virtuose cheio de excentricidades que, ao que parece, ele cultivava midiaticamente até um ponto que perdeu o controle (Cornelia Foss, que viveu quatro anos com ele, relata em documentário sobre Glenn que as manias foram tomando conta de Gould até um ponto que ela não reconheceu mais o homem). Por exemplo: é conhecido o fato de que ele sempre usava casacões e luvas de lã, inclusive no verão, não tocava nas mãos das pessoas, era um notório hipocondríaco, usava sempre a mesma cadeira excessivamente baixa para tocar e cultivava o isolamento, além de espalhar idéias exóticas, tais como a de que se preparava para um concerto sem tocar no piano. Ele chegou a ter três médicos simultâneos e tomava a medicação que os três prescreviam, sem que um soubesse da existência do outro.
Gould no piano, em 1944 (aos 12 anos), com seu cachorro e seu periquito de estimação. Fonte: Biblioteca Nacional do Canadá.
Por outro lado, Gould tinha idéias extremamente avançadas para o seu tempo. Ele sonhava que viveríamos em uma época de verdadeira democracia musical, em que os ouvintes pudessem ser capazes de organizar as suas próprias gravações, assim como fazemos hoje com frequência no meio digital.
Lado Don Juan: Cornelia Foss, grande amor de Glenn, ela largou o marido ( o maestro Lukas Foss) e mudou com os filhos para morar com Gould por quatro anos no Canadá. O vídeo Genius within, the inner life of Glenn Gould relata o caso com entrevistas com a própria Cornelia e seus filhos que lembram carinhosamente até hoje do "tio Glenn". Fiz um post exclusivamente sobre o vídeo aqui abaixo.
Posts anteriores do Na Linha sobre Gleen Gould:
Vídeos recomendados:
Gleen Gould, the inner life of a genius
32 variations avec Glenn Gould
Livro: Conversations with Glenn Gould - à venda na Amazon.
O lado pop do pianista: Gould como Katherine Klopweiser em um popular programa na tv canadense CBS Tuesday night. Fonte aqui.
Marcia,
adoro ouvir as Variações com ele e não sabia sobre Mozart. Era mesmo um doido genial e genioso!
Posted by: Raquel Sallaberry | quarta-feira, setembro 26, 2012 at 08:00
Raquel, Gould é um dos artistas que estão no Golden Record da Voyager 1, aquele lançado com o objetivo de informar a outras civilizações intergaláxicas sobre a nossa cultura e que deve durar 4 bilhões de anos (trata-se de uma gravação de Bach). Sobre Mozart - ele era fanático por música de contraponto (com várias vozes simultâneas e antagônicas), característica do barroco e na qual Bach foi o grande compositor, entre outros, de modo que ele chamava Mozart de músico"right handed", ou seja, preso ao tema com acompanhamento, o que deixava Gould frustrado.
Posted by: MarciaCL | quarta-feira, setembro 26, 2012 at 09:55