Adaptação maravilhosa de Little Dorrit, de Charles Dickens, pela BBC. Fonte aqui.
A experiência de 15 anos na imprensa e em assessorias de imprensa traz pelo menos uma vantagem: saber identificar o "gancho da matéria". A expressão, tradução literal do "hook" em inglês, quer dizer exatamente isso: aquele "quê" a mais na matéria que irá agarrar o leitor pelo pescoço e fazê-lo ler reportagem, algo que "engate" a matéria ao tempo presente (aniversário de morte de um autor, por exemplo), algo novo, inusitado, diferente, ou que apresente um novo ângulo de um velho assunto. Arquivos digitalizados de escritores clássicos existem aos montes na internet e não faltam projetos de digitalização em andamento de partes ou da obra redescoberta de autores consagrados (como é o caso do projeto de Fernando Pessoa, já comentado nesse blog). Portanto, que há de interessante em dizer que os periódicos editados por Charles Dickens (1812-1870) foram completamente digitalizados agora? Bem mais estratégico mandar um press release dizendo que UM COMPUTADOR chegou à conclusão que certo artigo digitalizado em tal periódico é um texto inédito do escritor dos pobres e oprimidos da Inglaterra do século XIX. Ver The Guardian aqui.
O tal artigo, um libelo em defesa da classe operária, é o gancho da matéria que, na verdade, informa-nos QUE O PROCESSO DE DIGITALIZAÇÃO DOS PERIÓDICOS DE DICKENS FOI CONCLUÍDO.
Charles Dickens, cujo bicentenário de nascimento foi celebrado este ano, editou dois periódicos semanais por mais de 20 anos. All the Year Round e Household Words eram eles, nos quais alguns de seus romances, como Hard Times, A Tale of Two Cities e Great Expectations foram publicados (cada século tem o periódico que merece!). Acadêmicos vêm então trabalhando há anos para desenvolver um projeto de amplo acesso digital às edições dos periódicos, auxiliados, inclusive, por mais de três mil volutários - incluídos aí, leitores do The Guardian (A-ha!).
Charles Dickens em imagem de 1860, por George Herbert Watkins. Fonte: The Telegraph.
Desta feita, a digitalização do material foi agora concluída e pode ser lida aqui. Tais artigos foram encaminhados ao Centre for Literary and Linguistic Computing (CLLC) na Universidade de Newcastle, Austrália, que usa computadores para determinar quem são os autores de tais artigos. De modo que o artigo intitulado "Temparate Temperance" foi o primeiro a ser analisado por tal sistema e teve a autoria identificada como a do próprio Dickens.
Veja bem: acho essa descoberta fantástica e ficaria exultante de fato, não fosse uma afirmação, no corpo da matéria, do Dr. John Drew, diretor do projeto dos Periódicos de Dickens Online, dizendo que é preciso ser cauteloso, pois a estilística computacional não prova definitivamente nada.
"It's always going to be relative. Computational stylistics gives a best fit but doesn't absolutely prove authorship one way or the other".
Claire Foy, como Amy Dorrit, e Matthew Macfadyen como Arthur Clennam, na mesma adaptação da BBC.
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