Foto do seriado Prison Break, com os atores Wentworth Miller e Dominic Purcell, como Michael e Lincoln. Eu não assisti ao seriado, mas achei curioso o que um irmão faz pelo outro. Em certo sentido, os irmãos gêmeos de Milton Hatoum estão encarcerados em seu destino, mas enquanto um deseja escapar, o outro só se afunda cada vez mais. Fonte aqui.
"Dico che quando l'anima mal nata..."
(Dante, A Divina Comédia, Canto V, vs. 7 - citação feita pelo personagem Conselheiro Aires, na epígrafe de Esaú e Jacó. Trad. Italo Eugenio Mauro ).
No terceiro post sobre o autor brasileiro Milton Hatoum, dessa série que eu chamei de Nossos contemporâneos, vou falar sobre o seu segundo romance, publicado 11 anos após Relato de um certo Oriente, em 2000, Dois irmãos. A narrativa focaliza na conturbada relação dos gêmeos Yaqub e Omar, nascidos de imigrantes libaneses que vivem em Manaus. O romance, que começa com a morte da mãe, é narrado em idas e vindas, mas sempre com o objetivo de relatar um ódio ancestral entre os irmãos que, a despeito das muitas diferenças, acabam se apaixonando pela mesma mulher (claro!).
O forte antagonismo entre irmãos no romance de Hatoum traz claras referências ao clássico de Machado de Assis, Esaú e Jacó (quem não leu, pode baixar aqui). O tema bíblico dos irmãos inimigos filhos de Isaac e Rebeca, que lutam pelo poder herdado do pai, simbolizam, em Machado de Assis, os dois lados de um país então dividido entre República e Império; dois mundos inconciliáveis que, no romance de Milton Hatoum, são historica e geograficamente situados - assim como o sertão e o litoral para Euclides da Cunha - entre São Paulo e Manaus.
Do mesmo modo que Pedro e Paulo, os protagonistas de Esaú e Jacó, Yaqub e Omar, os gêmeos de Dois Irmãos, sintetizam no seu antagonismo os dois lados de um mesmo país. O atraso e o progresso; o desperdício e o investimento; a falta de caráter e o zelo respeitoso pelo outro. O drama familiar transborda, alegoricamente, para o drama de um país repartido.
As semelhanças entre os dois romances só faz ressaltar ainda mais as diferenças que existem entre eles. Onde tudo em Esaú é Jacó é voltado para a discussão dos grandes temas da humanidade, o ciúme, o amor, a inveja, as paixões, a cobiça etc., em Dois irmãos o foco está na tragédia do cotidiano do núcleo familiar, epicentro de uma problemática humana de registro mais íntimo. O real dessa literatura especular de Milton Hatoum aponta para as perversões, o incesto, o abandono, as dúvidas de identidade retratadas na figura do bastardo (figura frequente na obra de Hatoum).
Um romance interessante que põe em perspectiva não apenas o Brasil, mas a própria idéia de civilização.
"Digo, que quando a alma malfadada..."
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