(Fonte foto aqui)
"Menos de quinhentos metros separavam a casa onde nossa mãe morava da de Emilie. Ao longo dessa breve caminhando, impressionou-me encontrar certos espaços ainda intactos, petrificados no tempo, como se nada de novo tivesse sido erigido. Nenhuma parede ou coluna parecia faltar às construções mais antigas; os leões de pedra, o javali e a Diana de bronze permaneciam nos mesmos lugares da praça, entre as acácias e os bancos onde as pessoas sentadas ou deitadas contemplavam as telhas de vidro do coreto e os répteis rumando à beira do lago, atraídos pela sombra das garças e jaburus que dormiam ou fingiam dormir, equilibrados por hastes finíssimas que sumiam na água". (Milton Hatoum, Retrato de um certo Oriente, p. 121).
O escritor amazonense Milton Hatoum abre essa série do Na Linha que se intitula "Nossos contemporâneos".
Hatoum nasceu em Manaus, em 1952, de pais de origem libanesa. Aos 15 anos mudou-se para Brasília para estudar e, posteriormente, para São Paulo, onde concluiu um curso de arquitetura e urbanismo. Nos anos 80, mudou-se para a Europa, indo morar primeiramente na Espanha e depois na França. Iniciou tardiamente na literatura, seu primeiro livro, Relato de um certo Oriente foi publicado quando ele tinha 37 anos. Em 1998 titulou-se doutor em teoria literária pela USP e mudou-se definitivamente para São Paulo.
Dos quatro romances que escreveu, três receberam o prêmio Jabuti de melhor romance: Relato de um certo Oriente, Dois irmãos e Órfãos do Eldorado. Em seu próprio site, informa que foi traduzido para oito idiomas e publicado em dez países.
O escritor Milton Hatoum (Fonte Deutsche Welle).
Embora não possa ser definida como autobiográfica, a obra de Hatoum traz muitos elementos que remetem à história da vida do autor, como o núcleo dos imigrantes libaneses no Amazonas, o ambiente da ditatura militar nos anos 70 e as paisagens e cultura da cidade natal do escritor, Manaus (vide no trecho acima, destacado de Retrato...). A verve minuciosamente descritiva de Hatoum tem lhe valido, aqui e ali, a qualificação de "regionalista", característica que o autor refuta peremptoriamente, como o faz nessa entrevista à Folha de 2009. Mas - aqui entre nós - não seria isso um "charme" a mais para o seu agente literário? Afinal nada mais interessante para europeus e americanos do que conhecer um "escritor amazonense", não? (Contestações nos comentários, pls). Além do que, não me recordo de Kafka transpondo pratos típicos e dialetos da sua cidade natal para sua obra (só para citar um dos autores mencionados por Hatoum na entrevista).
Regional ou não, a obra de Milton merece no mínimo ser avaliada com atenção, é o que farei nos próximos posts.
Bibliografia:
- Relato de um certo Oriente (romance). Cia. das Letras, 1990
- Dois Irmãos (romance). Cia. das Letras, 2000.
- Cinzas do Norte (romance). Cia das Letras, 2005.
- Orfãos do Eldorado. Cia. das Letras, 2008.
Contos:
- A cidade ilhada. Cia. das Letras, 2009.
- Você tem medo do quê? (A convite do Mais!, o caderno de cultura da Folha de São Paulo, dois escritores, um cineasta e uma historiadora ficciolanlizam e debatem seus temores íntimos e objetivos. Pode ser lido na internet por assinantes da Folha).
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