O ator Ricardo Trêpa, neto do cineasta português Manoel de Oliveira. Considero que daria um bom exemplar de primo Basílio (personagem que não tenho conhecimento que tenha interpretado). Foto: Caras Portugal.
"O Alves Coutinho extasiou-se sobre a abundância das travessas de doce; havia creme crestado a ferro de engomar, um prato de ovos queimados, aletria com as iniciais do Conselheiro desenhadas à canela."
(O Primo Basílio, Col. Abril, p. 374, anotações Paulo Franchetti)
Estava em preparativos para um post sobre O Primo Basílio, de Eça de Queirós, para a minha série temática Entre quatro paredes, o oponente como marido, quando ocorreu-me fazer um post-aperitivo.
Ovos queimados, foto da revista Deguste
É que, na minha opinião, este romance é um verdadeiro BANQUETE para os sentidos. Enquanto Flaubert apelou à moral da sociedade em Madame Bovary e Machado de Assis, à tragédia dos ciúmes em Dom Casmurro, Eça nos convoca a averigüar as necessidades da carne. Assim, sabemos detalhes tais como o de que Luísa, ao ser pedida em casamento por Jorge, sentiu os seios se dilatarem, com o contato quente das mãos dele nas suas. Sabemos igualmente que Juliana, magra e doentia que era, tratava com certo respeito a cozinheira porque esta lhe preparava caldinhos e até fazia bifes escondidos para ela. E que dona Felicidade não podia usar espartilho à noite porque sofria de dispepsia e de gases (que deviam ser decorrência de um absurdo excesso de peso).
Cena do filme Singularidades de uma rapariga loura, de Manoel de Oliveira, com Ricardo Trêpa e Catarina Wallenstein
Aliás, a ávida Juliana se deleita em extorquir os patrões também na despensa:
"Consolava-se então com regalos de gulodice. Durante todo o dia debicava sopinhas, croquetes, pudinzinhos de batata. Tinha no quarto gelatina e vinho do Porto. Em certos dias mesmo queria caldos de galinha à noite." (O primo Basílio, Col. Abril, p. 413)
Porém nada se compara ao banquete oferecido pelo Conselheiro, cuja culminância, após uma sopa de entrada, seguida de um cozido e de uma perna de vitela assada, regada a muito champanhe e um desfile de doces (acima descritos), é a mesa dos licores, servidos pela Filomena, a linda empregada com quem o Conselheiro vive amigado.
O BIFE do título deste post, entretanto, não tem nada de gastronômico. Foi uma frase de um personagem, ao comentar que Basílio tinha voltado da Inglaterra muito "bife", ou seja, muito inglesado, mas ele remete a outro post, que pretendo fazer, sobre mais uma característica deliciosa do livro: a linguagem.
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