Filme do Desassossego, de João Botelho, com Pedro Lamares (como Pessoa) e Cláudio da Silva (como Bernardo Soares). Captura de imagem minha.
"Invejo - mas não sei se invejo - aqueles de quem se pode escrever uma biografia, ou que podem escrever a própria. Nestas impressões sem nexo, nem desejo de nexo, narro indiferentemente a minha autobiografia sem factos, a minha história sem vida. São as minhas Confissões, e, se nelas nada digo, é que nada tenho que dizer."
(Pessoa, Livro do Desassossego, Cia. de Bolso, p. 50).
Algumas pessoas têm um livro em particular que fica sempre à mão, na mesinha de cabeceira, por exemplo. Eu tenho O Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. Imaginem a total estupefação quando eu fiquei sabendo (em geral, sou sempre a última) que o diretor português João Botelho fez um filme (!) sobre o livro, ao que ele chamou de O Filme do Desassossego, lançado em setembro em Portugal e exibido em outubro na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (não achei esse título no Festival do Rio, não sei se estou enganada...).
Trailer de O Filme do Desassossego, achei interessante a desconstrução visual - um desassossego permanente?
O problema todo é que O Livro do Desassossego é intransponível, trata-se de um não-livro, como teria sido a construção do roteiro? Li que é uma "livre adaptação". O autor - o heterônimo de Pessoa Bernardo Soares - é apenas um dos vários autores do livro, incluído o próprio Pessoa. E o livro, que seria uma autobiografia, transformou-se em um conjunto altamente heterogêneo, com fragmentos, idéias, pensamentos, trechos de diários, enfim, é um caos em forma de livro. Segundo o tradutor americano de Pessoa Richard Zenith - que organizou a edição da Companhia das Letras da obra, - "o Livro, desde a sua concepção, ficou sempre um projeto por fazer, por emendar, por organizar e levar a cabo." (R.Zenith, Cia de Bolso, p. 13).
O Livro tem trechos deliciosos, como este que copio abaixo a título de incentivo aos que não tiveram este prazer ainda:
"CONSELHOS ÀS MAL-CASADAS
Proponho-me ensinar-lhes como trair o seu marido em imaginação.
Acreditem-me: só as criaturas ordinárias traem o marido realmente. O pudor é uma condição sine qua non de prazer sexual. O entregar-se a mais de um homem mata o pudor./.../
O essencial é começar a sentir a atracção pelas coisas que repugnam, não perdendo a disciplina exterior.
A maior indisciplina interior junta à máxima disciplina exterior compõe a perfeita sensualidade. Cada gesto que realiza um sonho ou um desejo, irrealiza-o realmente." (p. 436-7)
Entrevista com João Botelho sobre o filme para o jornal Correio da Manhã, de Lisboa.
Márcia,
não conheço a obra, mas admiro muito Fernando Pessoa. Me interessei muito com seu post - o livro vai pra minha lista! Hehe Também gostaria de assistir ao filme posteriormente, pareceu-me bem interessante também. Será que dá pra achá-lo aqui no Brasil p/ assistir?
Bem, também gostaria de parabenizá-la pelo seu blog. Já o acompanho faz um tempo e gosto muito dos seus posts :)
Abraço,
Sofia
Posted by: Sofia B. | quinta-feira, novembro 04, 2010 at 20:09
Obrigada, Sofia! Recomendo vivamente a leitura do livro. Você pode ler do jeito que quiser, não se trata de um livro linear - ele levou anos juntando aquelas informações, você pode adquirir o livro e ler pequenos trechos por mês. Boa sorte!
Posted by: MarciaCL | quinta-feira, novembro 04, 2010 at 21:30
Sofia, o filme passou na última mostra internacional de cinema em São Paulo e não passou na mostra do Rio (até onde eu sei). O que significa que podemos esperá-lo para o próximo ano (se vier para o Brasil - já que é um filme muito autoral, talvez tenha fraca distribuição, não sei).
Posted by: MarciaCL | sexta-feira, novembro 05, 2010 at 11:10
Márcia,
o livro com certeza já está na minha lista. Fiquei muito interessada. Quando eu tiver a oportunidade de ler, dou uma passadinha aqui e deixo minhas impressões, hehe
Quanto ao filme, a minha preocupação é essa mesmo. Acho que a distribuição e divulgação não serão muito fortes aqui no Brasil... Mas vamos aguardar e ver, né?
Posted by: Sofia B. | sexta-feira, novembro 05, 2010 at 21:05