Jean-François Balmer como Charles Bovary na versão de 1991 de Claude Chabrol para Madame Bovary
Este post é a continuação da série que eu chamei de "O Oponente". Os primeiros eram sobre estes personagens na obra da Jane Austen. Este post inaugura a série sobre o "Oponente como marido".
"- Pourquoi, mon Dieu! me suis-je mariée?
Elle se demandait s'il n'y aurait pas eu moyen, par d'autres combinaisons du hasard, de rencontrer un autre homme; et elle cherchait à imaginer quel eussent été ces événements non survenus, cette vie différente, ce mari qu'elle ne connaissait pas. Tous, en effet, ne ressemblaient pas à celui-là. Is aurait pu être beau, spirituel, distingué, attirant, tels qu'ils étaient sans doute, ceux qu'avaient épousés ses anciennes camarades du couvent."
(Gustave Flaubert, Madame Bovary, cap. VII, Lib. Générale Franç. p. 78)
"-Por que, meu Deus, eu me casei?
Perguntava se não teria havido uma maneira, por outras combinações do acaso, de encontrar outro homem e procurava imaginar quais teriam sido aqueles acontecimentos que não se haviam realizado, aquela vida diferente, aquele marido que ela não conhecia. Nem todos, de fato, se assemelhavam àquele. Teria podido ser belo, espirituoso, distinto, atraente, assim como eram, sem dúvida, os que haviam desposado suas antigas colegas do convento."
(Trad. Fúlvia M. L. Moretto, Clássicos Abril, p. 64)
Diz o dito popular que todo corno merece sofrer. Digamos que Gustave não poupou o pobre Charles, sobrenome Bovary, no que possivelmente é um dos mais - senão o mais - célebre romance francês do século XIX. A impressão que dá é que ele de fato tinha implicância com o personagem que é apresentado beirando o risível, desde o primeiro momento (o livro Madame Bovary abre com Charles sendo introduzido no internato), quando, após 15 minutos de cara-a-cara com ele, o professor o manda copiar 20 vezes o verbo ridiculum sum. Poor Charles! (como diriam Jane Austen e Henry James) mal sabia o que lhe esperava nas páginas seguintes.
Encantado pela beleza da jovem Emma, casa-se com ela, que passa a detestá-lo após utilizá-lo como passaporte para sair da insossa vida de solteira para uma bem mais apimentada de casada adúltera.
Mesma versão, com Isabelle Huppert no papel de Emma. Na minha opinião, apesar de ela ser uma atriz fantástica está um pouco estranha no papel de um personagem tão mais jovem do que ela.
Aqui convém questionar quem se opõe a quem, uma vez que Charles - para ser justa - não pode ser efetivamente considerado um oponente de Emma, já que em todo o momento o amor que sente por ela o torna cego para os seus defeitos. A beleza física aliada à tremenda capacidade de sedução da esposa blindam suas desfeitas frente ao marido que acaba sendo engolido pelas loucuras dessa mulher. Se Emma tem um oponente à altura, pode-se dizer que é ela própria (ou Walter Scott e Lamartine), pois ela se deixava influenciar pela literatura romântica que absorvia em abundância, à exemplo de Dom Quixote (aliás, assumida inspiração para Emma Bovary). A grande diferença entre Emma e D. Quixote é que ele se retrata ao final e reconhece, em momento de lucidez, o erro que foi sua vida, enquanto Emma nunca aceita a realidade.
Há que defenda Charles Bovary, entretanto. Em tempos de politicamente correto, achei não poucos textos afirmando coisas do tipo: "era um bom rapaz que casou com uma desvairada" ou algo assim... "Tivesse se casado com outra, teria vivido feliz como um médico medíocre". "Ele foi uma vítima, foi enganado e enganado morreu" etc, etc, etc...
Eu já sou da opinião de Gustave Flaubert: os idiotas merecem sofrer.
Versão de 1949 de Vincent Minelli com Jennifer Jones como Emma
Na introdução da edição de Madame Bovary que eu mencionei acima, a professora Béatrice Didier lembra que Flaubert foi extremamente feliz ao achar o nome Emma Bovary. Isto porque o prenome nos lembra idéias românticas e sonhadoras, enquanto o sobrenome soa como a solidez normanda e bovina, como se o próprio nome já definisse o drama da protagonista. Sabe-se graças sobretudo às cartas que Gustave escreveu a sua amiga Louise Colet sobre o livro, que nada ali foi por acaso, que ele é resultado de um minuncioso processo de escrita que durou cinco anos.
Albert Thibaudet, no seu Histoire de la littérature française (História da Literatura Francesa), situa Flaubert como o herdeiro de Balzac. Thibaudet considera que o enorme sucesso alcançado por Madame Bovary se daria pelas seguintes razões:
1. O romance no século XIX é o gênero das mulheres e Flaubert criou em Emma Bovary a mulher francesa comum, o mais próximo possível da leitora dos romances.
2. O romance de sucesso nessa época se passa sempre no coração da França: na província do interior. E Flaubert fez uma espécie de síntese do interior francês da época.
3. Todo homem encontra diversas vezes na vida uma madame Bovary. E toda mulher bonita encontra Léons e Rodolphes.
Ele não diz, mas eu acho também que todo mundo encontra um Charles Bovary em algum momento da sua vida. Vivesse Emma em nosso tempo, não precisava se envenenar: arrumava um advogado e ia viver da pensão que Charles teria que pagar à pequena Berthe (afinal, ela iria precisar de babá, e ele é um médico de posses!) Assim poderia namorar tantos Léons quanto quisesse enquanto Charles ia suar para sustentar duas casas.
Li que este filme é inspirado em Madame Bovary - pelo menos a personagem principal lê o romance, mas eu ainda não o vi. Porém fiquei bem curiosa, pois são dois atores de muita competência: Kate Winslet e Patrick Wilson.
Olá!! Venho acompanhando seu blogg há pouco e adorei esse post :D veja little children, é um ótimo filme. recomendo!!
Paula A.
Posted by: Paula Aryana | terça-feira, setembro 21, 2010 at 19:42
Obrigada Paula, já estava curiosa, agora vou alugar este fim de semana mesmo.
bjs
Marcia.
Posted by: MarciaCL | quarta-feira, setembro 22, 2010 at 15:11