Greg Wise e Kate Winslet, na versão de Ang Lee de 1995 para o cinema, como Willoughby e Marianne.
Willoughby, em Razão e Sensibilidade, apresenta uma particularidade que o torna diferente de todos os oponentes de Jane Austen. Possivelmente ele seja o único entre eles que adquire status de protagonista.
Durante muito tempo, no decorrer do livro, o que há é a história de amor entre ele e Marianne Dashwood, já que tudo o que acontece com Elinor se passa em um plano subliminar, como se Marianne estivesse pintada sob intensa luz e Elinor se mostrasse apenas através de sombras. Nas edições Penguin Classics, por exemplo, em que o romance tem 353 páginas, o primeiro encontro entre Willoughby e Marianne se dá na página número 43 e o último (no fatídico baile em que ela o encontra junto à noiva), na página 168 (!). A simpatia que esse personagem gera entre os leitores - e até na sensata Elinor - é a prova de que ele talvez seja o mais irresistîvel dos oponentes.
Além disso, há um fato singular com relação a Willoughby: Marianne Dashwood efetivamente se apaixona por ele. Circunstância única entre todas as protagonistas de Jane Austen. Teria a autora tão pouco apreço assim por esta personagem? Enquanto Lizzy Bennet (de Orgulho e Preconceito) sente alguma coisa um pouco maior do que simpatia por Wickham, Anne Elliot (de Persuasão) jamais cai na conversinha do primo, Catherine Morland (de Abadia de Northanger) em nenhum momento se interessa por John Thorpe, Marianne Dashwood é a única heroína que não é poupada desse deslize (eu quero deixar Emma de fora porque esse é um livro que tem uma construção totalmente à parte, sobre a qual falarei posteriormente).
O sóbrio coronel Brandon de David Morrissey na versão da BBC de 2008.
"What could a silent man of five and thirty hope, when opposed by a very lively one of five and twenty?"
(Sense & Sensibility, Collector's Library, p.64)
"O que se poderia esperar de um homem silencioso, de trinta e cinco anos, que tinha como rival um homem cheio de vida, de vinte e cinco?" (trad. Therezinha Monteiro Deutsch)
ou melhor
"Que esperanças poderia ter um silencioso homem de trinta e cinco anos quando comparado a um outro extremamente extrovertido de vinte e cinco?"
A questão que fica é: por que Jane Austen fez desse personagem tão maravilhoso um oponente, enquanto o Coronel Brandon é - assim como Elinor - alguém que age subliminarmente, nas sombras, em suma, tão apagado, comparado com o brilhante John Willoughby? Por que justamente Marianne foi a escolhida para se casar com o homem mais sensato de toda a história?
Greg Wise e Kate Winslet, na versão de 1995 , no episódio em que Willoughby conhece Marianne.
"There are inconvinences attending such feelings as Marianne's, which all the charms os enthusiasm and ignorance of the world cannot atone for. Her systems have all the unfortunate tendency of setting propriety at nought; and a better acquaintance with the world is what I look forward to as her greatest possible advantage".
(S&S, Collector's Library, p. 70).
"Nos sentimentos, como os de Marianne, há inconveniências que não podem ser atenuadas nem mesmo por todo o encanto do entusiasmo e pela ignorância do que é o mundo. O modo de pensar de minha irmã apresenta a tendência de reduzir as boas maneiras a nada e creio que conhecer melhor o mundo irá proporcionar as maiores vantagens possíveis a ela." trad. Therezinha Monteiro Deutsch)
A frase acima, de Elinor ao coronel Brandon, é indicativa da visão parcial que há dessa personagem, pois DE FATO durante o decorrer da história, Marianne sofrerá um doloroso processo de aprendizado. O inverso jamais acontecerá à Elinor. Ou seja: ela não deixa de ser sensata para se tornar uma romântica tresloucada.
Levando-se em conta estas questões, eu arrisco dizer que em Razão e a Sensiblidade o "e" é ilusório e - não sou a primeira nem serei a última a achar - a Razão (ou o bom-senso) é o verdadeiro Leitmotiv desse livro. Não se trata de mostrar um "balanço" entre as duas expressões, mas de verificar qual das duas é mais adequada ao mundo.
Hattie Morahan, como Elinor, e Charity Wakefield, como Marianne, na versão da BBC de 2008.
Caso esse fosse um livro de Charlotte Brontë, é possível que Willoughby passasse por um processo purgatório, do tipo salvar uma família inteira de um incêndio, ficar cego ou paralítico e se arrepender dos seus pecados pregressos, para só então poder se casar com Marianne. Mas como a autora é Jane Austen, o significado das ações são bem mais contundentes. Não que ela não seja capaz de mostrar perdão em seus livros (o próprio Darcy, de Orgulho e Preconceito, recebe um tratamento regenerador), mas eu diria que, para ela, o AGIR é determinante do SER (e não o contrário). Ou seja: uma pessoa não é como ela se vê ou o que ela diz que é, mas ela é o que suas ações revelam. São os atos de cada um que determinam o seu destino inexorável e a partir daí Willioughby, Wickham e William Elliot nunca poderiam ser regenerados.
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