Ruppert Friend, como o convincente Wickham da versão de 2005 (filme de Joe Wright)
"The attention of every lady was soon caught by a young man, whom they had never seen before, of most gentlemanlike appearance, walking with an officer on the other side of the way. [...] His appearance was greatly in his favour; he had all the best parts of beauty, a fine countenance, a good figure, and a very pleasing address."
(P&P, The Harvard Classics Shelf of Fiction, p. 229)
"A atenção de todas elas em breve se prendeu num jovem de estupendo aspecto, e que elas nunca antes tinham visto, caminhando com um oficial no outro lado da rua. [...] A sua aparência era toda em seu favor; de inegável beleza, os traços eram delicados, a figura garbosa e as maneiras extremamente agradáveis."
(Orgulho e Preconceito - trad. portuguesa Maria Francisca Ferreira de Lima, no Scrib)
"A atenção de todas as moças foi logo atraída por um rapaz, que nunca antes haviam visto, de aparência cavalheiresca, caminhando ao lado de outro oficial na calçada oposta. [...] Sua aparência era muito favorável; ele possuía o que de melhor existe em beleza, um bom porte, um belo rosto e maneiras muito agradáveis."
(Orgulho e Preconceito - trad. Celina Portocarrero, LPM)
Embora eu o considere um oponente mais "simples" do que William Elliot (vide meu post anterior desta série), George Wickham talvez seja o de maior PESO na literatura mundial. Afinal, em dado momento de Orgulho e Preconceito, ele se coloca entre ninguém menos do que a impetuosa Elizabeth Bennet e o empedernido Fitzwilliam Darcy. Mas se o foco de Wickham parece ser mais direto que o de William Elliot - espezinhar o proprietário de Pemberley - suas ações não o são e desencadeiam uma série de acontecimentos e reviravoltas, tanto na história quanto no íntimo dos personagens.
Adrian Lukis, como Wickham, e Jennifer Ehle, como Lizzy, na versão da BBC de 95
Só para listar algumas das suas: expulso do seminário, dá em cima da irmã de Darcy, Georgiana, e tenta seduzi-la, depois conhece as irmãs Bennet e dá em cima de Lizzy, arruma uma noiva de recursos e, depois de abandonado, foge com Lydia para arrancar mais dinheiro de Darcy e por aí vai...
Em suma, este oponente tão charmoso e sedutor que consegue enganar a praticamente todos à sua volta (exceto Darcy), ao ser desmascarado (para Lizzy e os leitores, ao menos) causa um verdadeiro terremoto nas sólidas bases da moça, antes tão segura de suas opiniões.
Na mesma versão, Wickham com Lydia Bennet (Julia Sawalha).
A função deste oponente é também aproximar os protagonistas, porém não se colocando como possível par amoroso (como é o caso de William Elliot), mas evidenciando os erros de juízo do casal. Lizzy percebe que se deixou levar durante muito tempo pelas aparências, favorecendo em seu julgamento aquele que acreditava a ser o menos afortunado, o mais franco, cavalheiro e doce dos dois; e Darcy percebe que julgava poder tê-la só para si, isolada da sociedade e da família de onde vinha, trazendo apenas seus dotes genéticos à linhagem dos Darcy.
Keira Knightley, como Lizzy, conferindo Pemberly na versão de Joe Wright.
De certa maneira, há um paralelo entre o momento em que Lizzy visita Pemberly e começa a enxergar Darcy como ele realmente é, com tudo o que há ao seu redor desde a sua origem, com o momento em que Wickham foge com Lydia, em que Darcy percebe o que seu oponente já havia notado: que o seu ponto fraco era o afeto por Elizabeth Bennet. Na minha opinião, embora ele já fosse consciente do amor que nutria pela jovem dos lindos olhos (afinal, já tinha feito a primeira proposta de casamento) é por essa fuga que Darcy tem a chance de revelar a Lizzy quem ele realmente é e do que é capaz.
E aqui eu gostaria de convocar a opinião do crítico Henry Hitchings (autor de Who's afraid of Jane Austen? e do comentário de Orgulho e Preconceito da edição da Collector's Library). Ele chama a atenção para o título original do romance - Primeiras Impressões - que Jane Austen teria trocado pois outro autor publicou um romance com o mesmo título antes dela. Mas ele lembra que aí reside todo o sentido de Orgulho e Preconceito - trata-se de um embate entre o conformismo e a vontade individual, entre verdades universalmente aceitas e os sentimentos humanos verdadeiros. A autora ironiza o "amor à primeira vista", sugerindo que só o tempo e o conhecimento são capazes de gerar o afeto genuíno.
Macfadyen e Knightley, na tensa quadrilha entre Darcy e Lizzy
"I have always seen a great similarity in the turn of our minds. We are each of an unsocial, taciturn disposition, unwilling to speak, unless we expect to say something that will amaze the whole room, and be handed down to posterity with all the éclat of a proverb".
(Lizzy bem sinceramente dizendo o que pensa de Darcy durante a dança - PP, Collector's Library, p. 121)
"Já notei que temos grandes semelhanças de espírito. Ambos somos de feitio antissocial, taciturno, e não gostamos de falar senão para dizer alguma coisa capaz de causar assombro a toda a sala e ser transmitida à posteridade com o brilho de um provérbio".
(Orgulho e Preconceito, trad. Lúcio Cardoso, p. 114)
Acho que cada pessoa que lê este romance percebe que Lizzy e Darcy se apaixonam em um diferente momento. Eu gosto de pensar que é durante essa quadrilha, nesses deliciosos diálogos cheios de farpas e sinceridade entre eles que tudo começa. O próprio Darcy não consegue definir o exato momento em que se apaixonou por ela quando o Lizzy faz essa pergunta diretamente à ele:
"I cannot fix on the hour, or the spot, or the look, or the words, which laid the foundation. It is too long ago. I was in the middle before I knew that I had begun". (PP, CL, p. 472)
"Não posso fixar a hora ou o lugar. Isso já foi há muito tempo. Eu já estava no meio e ainda não sabia que tinha começado".
(O&P, trad. L.C., p. 428)
Para mim, o genial nesse "oponente" é que ele sim não se engana: ele sabe bem onde está pisando e o que deseja obter - nesse sentido ele é capaz de enxergar a fundo tanto Darcy quanto Lizzy, antes mesmo de ela perceber, por exemplo, o quanto está apaixonada por ele.
O final bucólico da série-fetiche do mundo austeano, de 1995, com Colin Firth e Jennifer Ehle.
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