Romola Garai e Rupert Evans, na última versão da BBC para Emma. Ela, a protagonista, ele como Frank Churchill.
Continuação do post sobre Emma deste blog para o grupo de leitura - Chá com Jane Austen - este foi o livro do mês passado.
"I have none of the usual inducements of women to marry. Were I to fall in love, indeed, it would be a different thing; but I do not think I ever shall. And, without love, I am sure I should be a fool to change such a situation as mine. Fortune I do not not want; employement I do not want; consequence I do not want; I believe few married women are half as much mistress of their husband's house as I am of Hartfield; and never, never could I expect to be so truly beloved and important; so always first and always right in any man's eyes as I am in my father's". (Editora Wordsworth, p. 67)
"Não tenho nada da propensão natural das mulheres para casar. Viesse eu a ficar apaixonada a situação seria outra; mas não creio que jamais ficarei. E sem amor eu tenho certeza de que seria uma tola em mudar uma situação como a minha. Não me faltam fortuna, nem ocupação, nem consideração. Acredito que poucas mulheres casadas sejam metade senhoras da casa de seus maridos como eu sou de Hartfield; e nunca poderiam esperar ser tão verdadeiramente amadas e importantes, sempre a primeira e sempre correta na visão de qualquer homem como eu sou na do meu pai".
Estava lendo Emma pela primeira vez quando, de repente, deparo-me com este trecho. E não foi o único!!!! Há inúmeras outras situações em que Emma explica tim-tim por tim-tim porque decidiu não se casar e enumera as vantangens que teria ficando solteira (ainda que, eventualmente, possa mudar de idéia no decorrer da narrativa). Afinal, se ela é rica, respeitada (e até mimada) pelo pai, dona da sua casa e mais dona do seu nariz do que a maioria das mulheres casadas, por que casaria? Eu confesso: fechei o livro de queixo caído, pensando, "como assim? essa autora não se dá conta que vive no século XIX"? Bem, então lembrei do episódio até hoje mal-explicado que Jane Austen foi pedida em casamento, aceitou o pedido para, no dia seguinte, voltar atrás e, assim como aspirava Emma, ficou invicta até a morte (que não tardou muito, inclusive).
Esse é um dos aspectos mais interessantes desta autora - ela explora realmente o íntimo feminino e está aí como ele de fato era em 1815: uma mulher, por ser dona de sua fortuna, de sua casa e, principalmente, do seu espírito e da sua mente, poderia perfeitamente optar por ficar livre do casamento - uma situação na época com alta probabilidade de ser opressiva e limitante para a mulher. Era Jane Austen uma espécie de revolucionária? Ou será que a imagem que NÓS FAZEMOS das mulheres do século XIX não condiz com a verdade e com a complexidade do período?
Apenas para situar a questão em parâmetros literários:
1. Emma, de Jane Austen, é publicado em 1815 na Inglaterra. O livro é dedicado ao príncipe Regente, com autorização do próprio.
A divina Isabelle Huppert, no papel de Emma Bovary com seu "Rodolphe", Christophe Malavoy, na versão de 1991 de Claude Chabrol do clássico de Flaubert.
2. Madame Bovary é publicado na França em 1857 (42 anos depois). O retrato de uma bonita esposa de médico do interior, infinitamente mais inteligente que o seu marido, que busca a felicidade em amores clandestinos, abandonando o lar e a família, chocou. Seu autor, Gustave Flaubert e o editor do romance são levados a julgamento, acusados de atentado aos bons costumes. É em sua defesa neste julgamento que Flaubert profere a famosa frase "Emma Bovary c'est moi" (Emma Bovary sou eu), na tentativa de convencer aos presentes que se tratava de um personagem fictício de um romance. Ele é absolvido no julgamento.
Trecho (maravilhoso!) da abertura da versão de A Casa de Bonecas com Anthony Hopkins e Claire Bloom, de 1973.
3. Na Noruega, é publicado o drama A Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, em 1879 (64 anos depois de Emma). A história, que teria sido baseada em uma notícia de jornal, narra o caso de Nora Helmer, casada com um homem que menospreza o seu intelecto e a trata como uma boneca, até que descobre que ela havia forjado uma assinatura no passado para obter secretamente um empréstimo para salvá-lo. O choque de ambos é imenso - ele não a reconhece como sua esposa - um doce esquilinho, como ele a chamava - e ela não o reconhece como o seu marido devido à reação dele diante do caso. Afinal, Nora decide abandonar marido e filhos para seguir sua vida (ninguém sabe como). A peça causou tal comoção no público que há uma história de que em Oslo, os restaurantes da época colocavam placas em que se lia: "favor não discutir sobre a peça A Casa de Bonecas", de modo a garantir a paz no local. (Informação do fac-símile da revista Careta, de 1937, publicado no livro Henrik Ibsen no Brasil, organizado por Karl Erik Schøllhammer - aqui, entrevista dele sobre o livro).
Enfim, a pergunta que eu gostaria de refazer é: por que em Emma nada disso aconteceu, embora o livro tenha sido tão anterior a estes dois mencionados? Arrisco dizer que fez diferença o fato de que Emma não deseja abandonar marido e filhos, mas sim, deseja abandonar a IDÉIA de ter marido e filhos, o que torna tudo mais aceitável. O que seria uma punição para mulheres menos dotadas de beleza, fortuna e inteligência, torna-se para Emma um passaporte para a liberdade. Quem sabe todas nós devemos muito mais a uma Emma Woodhouse, que teve um final feliz, do que a uma Emma Bovary, que recebeu um fim trágico e Nora Helmer, cujo futuro era duvidoso.
E o fato de que tudo é dito sem causar escândalo só mostra a engenhosidade desta escritora (que, afinal, não tinha essa intenção mesmo). Sem mencionar que certamente a suposta inocência de Emma certamente contribuiu tanto quanto qualquer atitude revolucionária de outras heroínas para milhares de leitoras alimentarem desejos de liberdade.
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