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"There is something incredibly direct about Bach's music that will always be appealing, /.../ something that rings so true when you hear music that is based on something small like that. It stimulates the mind, perharps it imitates life itself."
(Joshua Bell - depoimento para o DVD Bach's Project)
"Há algo de incrivelmente direto na música de Bach que a torna eternamente atraente, /.../ que soa tão verdadeiro quando você escuta música que é baseada em algo tão pequeno. É estimulante para a mente e talvez seja mesmo uma imitação vida."
100% das pessoas que me conhecem sabem do meu pouco apreço por esportes em geral e eu confesso que tenho uma idéia muito vaga do que os jogadores de futebol estão fazendo em campo, exceto quando há um gol. O que não me impede de, independente do nível (zero) de conhecimento, vestir a camisa amarela e torcer para o meu país durante os jogos da Copa, com direito a bandeira e tudo. Dessa vez, porém, algo além dos avanços do time brasileiro me alegrou: a chegada, na véspera do terceiro jogo do Brasil, do set de DVDs do projeto Bach do Michael Lawrence, sobre o qual eu já comentei aqui no post sobre Glenn Gould.
Essa é a participação no projeto do havaiano Jake Shimabukuro tocando Bach no Ukulele. Um charme!
Como eu não posso dizer NADA sobre os jogos da Copa sem cair no ridículo, então aproveito para falar mais um pouco sobre esse projeto maravilhoso. O DVD duplo se chama Bach & Friends e traz a interpretação e o depoimento das pessoas mais variadas do mundo da música (e fora dele).
Joshua Bell interpreta e comenta a melodiosa e rica Ciaccona de Bach
São eles: o maestro e cantor Bobby McFerrin, o bandolinista Chris Thile, o compositor Philip Glass, o violinista Joshua Bell, o grupo Swingle Singers, o pianista e improvisador Johan Bayless, o baixista Edgar Meyer, o médico e neuro-cientista Dr. Charles Limb, o violonista Manuel Barrueco, entre outros. Há inclusive um ukuleleista (!): Jake Shimabukuro - o ukulele trata-se de uma variante havaiana do cavaquinho. E ainda um Game Designer, Sid Meier, que juntou a paixão por games e a paixão por Bach para criar um game que virou hit: o CPU Bach. E eu não podia deixar de comentar a participação especial também do pianista brasileiro João Carlos Martins, que conta um pouco da sua relação com o compositor e a sua comovente trajetória de superação.
Robert Tiso na harpa de vidro interpreta a Toccata em Ré menor.
Ou seja: Bach e o time do Brasil batem um bolão!!!!
O DVD duplo pode ser adquirido pelo site do Michael, é super fácil e eu recomendo! Ah sim, ia esquecendo. O que o set de DVDs tem que não está online: ele traz as performances em um segundo DVD separado, sem os comentários, na íntegra. Além disso, o próprio DVD com as entrevistas traz três opções de idiomas nas legendas (não tem português, mas tem espanhol e italiano). Como diz seu Creisson, eu AGARANTIO !!!!
Essa eu devo novamente ao meu colega Denis Cosnard, do Réseau Modiano (Rede Modiano). Merci, Denis!
O escritor francês Patrick Modiano, objeto de vários posts neste blog, inclusive o post chamado "Deu no Le Figaro" e o conjunto de sete posts que eu chamei de "Semana Modiano", acaba de receber o prêmio da Fundação Simone e Cino del Duca. No valor de 300 mil euros (atrás apenas do Nobel que está em torno de 1,1 milhão de euros), o prêmio é destinado a recompensar um autor francês ou estrangeiro cuja obra constitua uma mensagem humanista. Entre alguns escritores que receberam o prêmio estão Jorge Luis Borges, Mario Vargas Llosa e Milan Kundera. Jorge Amado e Carlos Chagas foram dois brasileiros que já receberam este prêmio. A lista completa pode ser vista aqui. O anúncio foi feito no dia 20 de maio último e a cerimônia de entrega, no dia 9 de junho.
Modiano declarou em entrevista concedida após o anúncio:
«Avec ce Prix, j’ai la même impression qu’au moment où j’ai commencé à écrire, celle de m’introduire dans un milieu en compagnie de personnes qu’on admire, comme Borges.»
("Com este prêmio, eu tenho a mesma impressão de quando comecei a escrever, a de entrar em um ambiente na companhia de pessoas admiráveis, como Borges").
Para os francófonos, segue o link de um artigo do Pierre Assouline, no Le Monde, sobre essa premiação e na página do Instituto da França um vídeo, com o próprio Modiano apresentando sua vida.
(gente, quem gosta de literatura e nunca leu nem Proust nem Balzac no original, quelle honte!, vão já já se matricular na Aliança!)
Vá lá, quem não sabe francês, nem tudo está perdido, há títulos do Modiano em português.
Infelizmente, a assessora da Rocco, Cíntia Borges, confirmou que Modiano não faz mais parte do catálogo da editora. Ela gentilmente informou que foram seis os livros publicados pela casa: Ronda da noite; Uma rua de Roma; Vila Triste; Dora Bruder; Do mais longe do esquecimento; Meninos valentes. No post número 5 da minha Semana Modiano, eu publiquei onde os títulos do autor podem ser comprados online em português.
Será que ele precisar ganhar o Nobel para voltar a ser editado no Brasil????
Fotos de Modiano em 1968, quando lançou seu primeiro romance, La Place de L'Étoile.
Foto Keyestone / Eyeda (Magazine Littéraire de out/2009).
Programa de rádio sobre o último livro dele, L'Horizon:
E aqui, resolvi reproduzir também o artigo do Assouline, porque os jornais têm o péssimo hábito de tirar os links de circulação muito rápido:
Critique
L'homme qui valait 300 000 euros, par Pierre Assouline
LE MONDE DES LIVRES | 03.06.10 | 11h32 • Mis à jour le 03.06.10 | 11h32
Le XXIe siècle sera humaniste ou ne sera pas. Du moins d'un point de vue littéraire. Ce que cela signifie au juste, on n'en sait trop rien, mais c'est bien cette tendance que les écrivains français vont épouser, ainsi que nous sommes en mesure de le révéler. C'est une certitude depuis le 20 mai. Ce jour-là, laFondation Del Duca annonçait qu'elle décernait son prix Mondial 2010 à Patrick Modiano. Trois cent mille euros non imposables (300 000 euros, précision à l'intention de ceux qui n'en reviennent pas).
Pour un écrivain, le Del Duca, c'est ce qui se fait de mieux. Du moins envisagé sur le plan bancaire. Au-delà, on ne voit guère que le prix Nobel de littérature (l'équivalent d'1,1 million d'euros, tout aussi net d'impôts bien sûr, c'est tellement agréable de le rappeler). Or, dans ses statuts, la Fondation précise que ce prix est destiné à distinguer une oeuvre constituant "un message d'humanisme moderne".
L'humanisme a certes connu bien des avatars depuis la Renaissance ; mais dans ce contexte précis, une fois ledit humanisme rapporté à l'univers fictionnel de Patrick Modiano, sans guère de doute l'un des plus cohérents et des plus singuliers du demi-siècle échu, on ne voit toujours pas.
Le mystère ne freinera pas ses collègues de bureau : sa récompense, les rendant envieux sinon jaloux, a aussitôt suscité des vocations d'humanistes dont nous cueillerons certainement les premiers fruits lors des prochaines rentrées littéraires.
"Modiano, ça s'impose"
Comment ça se passe au Del Duca ? La Fondation étant placée sous le patronage de l'Institut, le jury est composé de membres des différentes académies. Ils ont fait un premier tour de table. Jean-Marie Rouart a lancé : "Patrick Modiano, ça s'impose." Pas de souci ! comme on ne dit pas quai Conti. D'autant qu'il n'y avait pas de hiatus à le voir succéder à Milaan Kundera, Mario Vargas Llosa, Simon Leys, Yachar Kemal, Jorge Luis Borges et Jean Anouilh.
Le secrétaire perpétuel de l'Académie française était d'autant plus emballé que Modiano a déjà par le passé écarté la possibilité d'un fauteuil à son nom pour l'éternité ; en lui remettant ce prix, la coach des Verts pouvait réactiver une stratégie d'approche. D'autant qu'' Hélène Carrère d'Encausse devait interviewer l'écrivain lauré pour le site de l'Institut de France ; le montage ne doit pas être aisé car, depuis qu'il a été annoncé, la mise en ligne du film s'y fait attendre.
La séance d'enregistrement avait pourtant duré plusieurs heures dans le fol espoir d'en tirer trois minutes ; après recollement des bouts, il restera bien une ou deux phrases de lui ("Ce qui m'émeut dans ce prix, c'est qu'il n'est conforme à rien", mais plus d'un académicien se demande comment il faut le prendre) ; pour l'essentiel, c'est elle qui a dû parler, par la force des choses ; et c'est un miracle si l'on y perçoit une évocation du prix, car Modiano a résisté aux pressions diplomatiques qui lui suggéraient de glisser, tout de même, le nom du philanthrope.
La cérémonie solennelle de remise de l'ensemble des prix de la Fondation Del Duca se déroulera sur invitation mercredi 9 juin à 15 heures sous la coupole. Enfin, à partir de 15 heures, car il y aura un discours pour chacun. Patrick Modiano y sera en famille. Mais même pour 300 000 euros, il ne fera pas de discours. C'est déjà un exploit de le mener dans cet aréopage. Non qu'il le méprise ; celui-ci exciterait plutôt son esprit taquin ; mais la seule perspective d'être confronté à une société de plus de quatre personnes est de nature à le faire fuir.
Jean-Marie Rouart, qui aurait dû en principe prononcer le discours de remise du prix, a dû s'effacer devant le patron, Mme Carrère d'Encausse, qui y tenait. Pour autant, elle ne déjeunera pas avec le roi d'un jour à seule fin de prolonger ses travaux d'approche. Il avait accepté son invitation et s'est finalement décommandé.
Le fait est qu'il n'est pas seulement de ces écrivains, assez précis dans le flou, qui passent une matinée à mettre une virgule et un après-midi à la retirer ; il est également de ces individus, légèrement agoraphobes, qui passent une matinée à accepter des invitations par faiblesse et un après-midi à trouver la force de les décommander. Il ne devrait pas faire faux bond mercredi à l'Institut.
On imagine que pour tout écrivain, l'angoisse de siéger pendant des heures dans la compagnie de gens importants doit être compensée par la disparition de l'angoisse des problèmes de fins de mois en début de mois grâce à un chèque providentiel. Au fond, en considérant les prestiges comparés du lauréat et du prix, on peut dire que cette année, on a donné Modiano au Del Duca. Ce qui se défend d'un point de vue, disons, humaniste.
"I have none of the usual inducements of women to marry. Were I to fall in love, indeed, it would be a different thing; but I do not think I ever shall. And, without love, I am sure I should be a fool to change such a situation as mine. Fortune I do not not want; employement I do not want; consequence I do not want; I believe few married women are half as much mistress of their husband's house as I am of Hartfield; and never, never could I expect to be so truly beloved and important; so always first and always right in any man's eyes as I am in my father's". (Editora Wordsworth, p. 67)
"Não tenho nada da propensão natural das mulheres para casar. Viesse eu a ficar apaixonada a situação seria outra; mas não creio que jamais ficarei. E sem amor eu tenho certeza de que seria uma tola em mudar uma situação como a minha. Não me faltam fortuna, nem ocupação, nem consideração. Acredito que poucas mulheres casadas sejam metade senhoras da casa de seus maridos como eu sou de Hartfield; e nunca poderiam esperar ser tão verdadeiramente amadas e importantes, sempre a primeira e sempre correta na visão de qualquer homem como eu sou na do meu pai".
Estava lendo Emma pela primeira vez quando, de repente, deparo-me com este trecho. E não foi o único!!!! Há inúmeras outras situações em que Emma explica tim-tim por tim-tim porque decidiu não se casar e enumera as vantangens que teria ficando solteira (ainda que, eventualmente, possa mudar de idéia no decorrer da narrativa). Afinal, se ela é rica, respeitada (e até mimada) pelo pai, dona da sua casa e mais dona do seu nariz do que a maioria das mulheres casadas, por que casaria? Eu confesso: fechei o livro de queixo caído, pensando, "como assim? essa autora não se dá conta que vive no século XIX"? Bem, então lembrei do episódio até hoje mal-explicado que Jane Austen foi pedida em casamento, aceitou o pedido para, no dia seguinte, voltar atrás e, assim como aspirava Emma, ficou invicta até a morte (que não tardou muito, inclusive).
Esse é um dos aspectos mais interessantes desta autora - ela explora realmente o íntimo feminino e está aí como ele de fato era em 1815: uma mulher, por ser dona de sua fortuna, de sua casa e, principalmente, do seu espírito e da sua mente, poderia perfeitamente optar por ficar livre do casamento - uma situação na época com alta probabilidade de ser opressiva e limitante para a mulher. Era Jane Austen uma espécie de revolucionária? Ou será que a imagem que NÓS FAZEMOS das mulheres do século XIX não condiz com a verdade e com a complexidade do período?
Apenas para situar a questão em parâmetros literários:
1. Emma, de Jane Austen, é publicado em 1815 na Inglaterra. O livro é dedicado ao príncipe Regente, com autorização do próprio.
A divina Isabelle Huppert, no papel de Emma Bovary com seu "Rodolphe", Christophe Malavoy, na versão de 1991de Claude Chabrol do clássico de Flaubert.
2. Madame Bovary é publicado na França em 1857 (42 anos depois). O retrato de uma bonita esposa de médico do interior, infinitamente mais inteligente que o seu marido, que busca a felicidade em amores clandestinos, abandonando o lar e a família, chocou. Seu autor, Gustave Flaubert e o editor do romance são levados a julgamento, acusados de atentado aos bons costumes. É em sua defesa neste julgamento que Flaubert profere a famosa frase "Emma Bovary c'est moi" (Emma Bovary sou eu), na tentativa de convencer aos presentes que se tratava de um personagem fictício de um romance. Ele é absolvido no julgamento.
Trecho (maravilhoso!) da abertura da versão de A Casa de Bonecas com Anthony Hopkins e Claire Bloom, de 1973.
3. Na Noruega, é publicado o drama A Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen, em 1879 (64 anos depois de Emma). A história, que teria sido baseada em uma notícia de jornal, narra o caso de Nora Helmer, casada com um homem que menospreza o seu intelecto e a trata como uma boneca, até que descobre que ela havia forjado uma assinatura no passado para obter secretamente um empréstimo para salvá-lo. O choque de ambos é imenso - ele não a reconhece como sua esposa - um doce esquilinho, como ele a chamava - e ela não o reconhece como o seu marido devido à reação dele diante do caso. Afinal, Nora decide abandonar marido e filhos para seguir sua vida (ninguém sabe como). A peça causou tal comoção no público que há uma história de que em Oslo, os restaurantes da época colocavam placas em que se lia: "favor não discutir sobre a peça A Casa de Bonecas", de modo a garantir a paz no local. (Informação do fac-símile da revista Careta, de 1937, publicado no livro Henrik Ibsen no Brasil, organizado por Karl Erik Schøllhammer - aqui, entrevista dele sobre o livro).
Enfim, a pergunta que eu gostaria de refazer é: por que em Emma nada disso aconteceu, embora o livro tenha sido tão anterior a estes dois mencionados? Arrisco dizer que fez diferença o fato de que Emma não deseja abandonar marido e filhos, mas sim, deseja abandonar a IDÉIA de ter marido e filhos, o que torna tudo mais aceitável. O que seria uma punição para mulheres menos dotadas de beleza, fortuna e inteligência, torna-se para Emma um passaporte para a liberdade. Quem sabe todas nós devemos muito mais a uma Emma Woodhouse, que teve um final feliz, do que a uma Emma Bovary, que recebeu um fim trágico e Nora Helmer, cujo futuro era duvidoso.
E o fato de que tudo é dito sem causar escândalo só mostra a engenhosidade desta escritora (que, afinal, não tinha essa intenção mesmo). Sem mencionar que certamente a suposta inocência de Emma certamente contribuiu tanto quanto qualquer atitude revolucionária de outras heroínas para milhares de leitoras alimentarem desejos de liberdade.