"A arte consiste em fazer os outros sentir o que nós sentimos".
Fernando Pessoa
Um portal francês sobre cultura que eu assino há muito, o Evene.fr, acaba de publicar um perfil de Manoel de Oliveira, sensacional cineasta centenário - ele tem 102 anos de idade, em ocasião do Festival de Cannes 2010 (ele está na seção "Indie"de filmes do festival - Un certain regard - aos 102 anos, gente!). Então, em função desta lembrança, resolvi postar em homenagem a este cineasta que é um grande poeta, adoro seus filmes cheios de símbolos e personagens melancólicos.
Com seu neto e ator freqüente, Ricardo Trêpa, no Festival de Cannes 2010
A seguir, um resumo do excelente artigo de Julie de la Patellière para Evene.
Nascido em 1908 no tempo da monarquia, Manoel de Oliveira percorreu o século sabendo onde ir. Transbordando energia, ele acaba de lançar o filme O estranho caso de Angélica em Cannes. Homem repleto de cultura clássica, ele rompe convenções em cada um de seus filmes, assinando assim um cinema atemporal. Encarnação de uma Portugal mística, barroca, conquistadora, salazarista, nostálgica, Oliveira cria um universo frio e elegante cheio de símbolos e índices perdidos.
Oliveira passou a infância no Norte de Portugal, em uma época de revoluções, em que era preciso se fechar atrás das janelas por conta das balas perdidas. Fiel a estas imagens, o cineasta iria posteriormente situar seus protagonistas no meio das mesmas salas ricamente decoradas, cobertas de azulejos azuis e interligadas por escadarias monumentais. A Portugal do diretor pertence a um outro século e o seu cinema traz dele estas marcas. Os empregados, freqüentemente mudos ou detentores de um segredo, têm o papel de alimento das tragédias racinianas, entre a confidência e o sacrifício. A evolução social não parece possível, pois todos têm um destino bem definido, uma posição simbólica a desempenhar no teatro do mundo. Ao adaptar La Princesse de Clèves ou Le Soulier de Satin, o diretor português escolheu tratar de valores de um mundo esquecido - virgindade das jovens, educação no convento, amores impossíveis, famílias inimigas, banimento pelo pai. Mas ele não realiza um retorno aos valores burgueses do século XIX, e sim àqueles do período clássico, próprio da aristocracia e do Ancian Régime.
Singularidades de uma rapariga loura: adaptação de um conto de Eça de Queirós, com Ricardo Trêpa e Catarina Wallenstein , de 2009
Dito isto, Manoel de Oliveira foge da reconstituição ilustrativa, sem tropeçar no cinema démodé. Inovador, ele assina o primeiro filme português em cores e filma, desde 1942, na rua, com atores não-profissionais. Pouco lhe interessa a verossimilhança. Ele transpassa seus filmes de uma variedade de anomalias para denunciar a falsidade fundamental da representação e dela se ver livre.
(e aqui eu paro com o resumo de Julie)
Filme Viagem ao princípio do mundo, de 1997, o último de Marcello Mastroianni, que morreu logo após as filmagens
O que eu gostaria de dizer que me marcou mais sobre os filmes de Manoel de Oliveira (além do fato de que seus filmes não precisam ser legendados no Brasil - diferente de outros filmes portugueses - pois os atores falam com paciência, reverberando uma outra linguagem que não essa do "cotidiano" ridículo do suposto realismo novelesco televisivo que inunda o cinema de hoje) é justamente a lentidão de um cinema reflexivo. Se pudesse haver uma "prateleira" na videolocadora para ele poderia ser algo como "filmes de anti-ação", ou "filmes de anti-amor". Cada imagem é preciosa e, embora com significados muito diferentes, eu o posiciono no mesmo patamar de um Bergman, no sentido em que há uma preocupação em resgatar o humano, o sensível, ou como afirmou Julie de Patellière, trata-se do cinema do invisível.
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