Romola Garai, na última versão da BBC para Emma, com Jonny Lee Miller como Knigthley
Mais um post para o querido grupo de leitura -Chá com Jane Austen - este é o livro do mês.
Em Emma Jane Austen faz uso de recursos já utilizados em livros anteriores, mas que demonstram um domínio muito maior da autora sobre a linguagem.
Só para recordar, a ordem de publicação dos romances de Jane Austen é a seguinte:
1. Razão e Sensibilidade (1811)
2. Orgulho e Preconceito (1813)
3. Mansfield Park (1814)
4. Emma (1815)
5. Northanger Abbey (1817 - postumamente - foi na verdade o primeiro romance que ela escreveu)
6. Persuasão (1817 - também póstumo)
No decorrer da história, o leitor é apresentado a três níveis de encenação - há a narração da história em si, em que os diálogos revelam boa parte do enredo; há o uso da terceira pessoa (discurso indireto), presente em vários romances de Jane Austen, que acompanha a reação de cada personagem diante do que nos é dito. Estes dois níveis de informação - os diálogos e a narrativa em terceira pessoa - são, em muitas ocasiões, ou complementares ou mesmo opostos entre si. Para completar, o uso de monólogo narrativo, amplamente usado em Emma (ele já aparecia com freqüência em Mansfield Park) completa a narrativa justaposta do livro.
Filme de 1996, dirigido e escrito por Douglas McGrath, com Gwyneth Paltrow como Emma e Jeremy Northam como sr. Knigthley
O conjunto forma um todo que apenas ao leitor é disponibilizado, criando uma espécie de cumplicidade entre nós e a autora.
Versão de Emma de 1996 para a TV, com Kate Beckinsale como protagonista.
Dando um exemplo bem prático, na cena em que o sr. Elton tenta convencer Emma de pintar o retrato de Harriet, a narrativa caminha por caminhos diversos em cada caso:
1. Nos diálogos entre Emma e o sr. Elton, nota-se que este deseja lisonjear a sua interlocutora, além de criar uma atmosfera de intimidade, fazendo uso de um aspecto prático e realizável que não o poria em risco de ser rechaçado - uma vez que sua investidas são indiretas e totalmente plausíveis (na direção de Harriet) e tampouco de ser considerado indelicado.
2. Emma, por sua vez, em seu monólogo interior, reflete o quão ridículo e despropositado o sr.Elton é, uma vez que demonstra, pelos seus próprios argumentos a favor da pintura a ser feita que não compreende nada de desenho. E ironicamente conclui (em pensamento): "guarde suas rapturas para o rosto de Harriet".
Porém, quando fala, Emma responde no mesmo tom do sr. Elton, tirando igualmente proveito da situação para elogiar as feições de Harriet e assim concordar com o pedido dele, fazendo-o erroneamente acreditar que o está encorajando.
3. E, por fim, quando Harriet retorna, a narrativa segue em terceira pessoa, mostrando a total submissão de Harriet às manipulações de Emma e do sr. Elton, além de reafirmar a superficialidade de Emma através da sua incapacidade em finalizar seus desenhos, assim como a de seus interlocutores, incapazes de enxergar neste ponto a grande falha da desenhista, corroborando uma visão defeituosa e parcial tanto de Harriet quanto do sr. Elton, embora por diferentes motivos.
Paltrow e Northam na pele de (a meu ver excelentes) Emma e Knigthley - aliás Jeremy Northam é um ator memorável, quem assistiu Gosford Park (2001), do meu (amadíssimo) Robert Altman e, mais recentemente, a série The Tudors, em que ele fez Sir Thomas More realmente há de reconhecer...
Seria essa superposição de diferentes níveis de narrativa uma piscadela com as charadas, jogo tipicamente da sociedade da época e tão apreciado pela protagonista, em que o leitor teria que estar atento a todos os detalhes, pois eles são significativos para se apreender o sentido final de cada episódio? O fato é que ao ler Emma a gente tem a nítida impressão que este foi um livro em que Jane Austen se divertiu horrores ao escrever.
Há um outro aspecto interessante em Emma sobre o qual eu gostaria de falar em um próximo post, que diz respeito mais às condições sociais da protagonista, uma vez que ela é a única heroína de Jane Austen que NÃO PRECISA e NÃO DESEJA se casar.
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