Esta e todas as fotos deste post são fotos de divulgação retiradas do site Adoro Cinema.
No dia 25 de março de 2010, o jornal francês Le Libération fez uma edição especial apenas com escritores. Eles foram convocados para dar um ponto de vista diferente ao noticiário, e o jornal veiculou aqui uma gravação editada do que foi a reunião de pauta desse grupo que produziu o que foi chamado de "Libê dos escritores". Entre outros, fiquei surpresa não por encontrar o Patrick Modiano comentando o filme Educação, mas sim, por ler o nome de um dos meus (raros) prezados escritores brasileiros contemporâneos: o ótimo Bernardo Carvalho. Mas este caro romancista é papo para outros posts que não este, o último da minha Semana Modiano (que durou exatamente um mês e um dia para ser realizada, mas, ufa! foi muito prazerosa, já estou com saudades e espero que vocês fiquem também e procurem ler este autor logo, logo!).
Gostei tanto da crítica do Modiano (e como não?) e como o estudo do francês hoje em dia já não é tão popular e dignificante como outrora, resolvi tentar fazer um esforço de traduzir alguns trechos dela aqui neste post. Afinal, falei do Modiano ensaísta, romancista, entrevistador, roteirista e, agora, crítico de cinema. O título do artigo dele foi
Educação Sentimental
(a seguir tradução livre minha)
Cinema - 25/03/2010 à 00h00
Crítica
por PATRICK MODIANO
No subúrbio de Londres, uma jovem de 16 anos de família modesta se dedica a estudar para passar em uma prova para entrar em Oxford. Um dia, ela está esperando um ônibus sob a chuva, quando um homem passando de carro lhe oferece carona. Ele é mais velho que ela e nota-se imediatamente que se trata de um "tipo suspeito", como se diz normalmente. Eles se reencontram e ela fará com ele a sua educação sentimental. O filme é de uma dinamarquesa, Lone Scherfig. A jovem é interpretada por uma atriz de 25 anos, Carey Mulligan, sobre quem se pode dizer desde já que vai longe.
Carey Mullingan, em Educação
Por que esse filme me causou uma impressão tão forte? Por que, na saída do cinema, eu fiquei tão absorvido, que quase fui atropelado ao atravessar a rua de Rennes por um carro que me parecia ser o Bristol vermelho escuro dirigido por David, esse sujeito suspeito com quem a heroína vive sua primeira história de amor?
O roteiro foi escrito pelo romancista Nick Hornby, baseado na narrativa autobiográfica da jornalista Lynn Barber. Eis o que explica a precisão e a sutileza do filme. Mas, de um modo mais íntimo, Educação me ligava por um fio Bickford com a minha própria adolescência. A jovem tinha exatamente a minha idade. Eu havia vivido situações parecidas às vividas pela Jenny, entrei, na mesma idade que ela, ao lado de companhias igualmente estranhas, em carros que traziam no vidro uma etiqueta em que estava escrito "Março de 1962".
Uma educação sentimental do inverno de 1962 não era tão diferente daquelas descritas dois séculos ou quarenta anos antes em Manon Lescaut ou O diabo no corpo. Era a mesma sensação de ultrapassar o que era proibido e os tabus e de não levar em conta tudo o que era "ilegal" até a idade de 21 anos, a idade da maioridade. Marthe, a heroína de Diabo no corpo, poderia ter sido condenada por "corrupção de menor". Do mesmo modo, David, do filme, esse rapaz sentimental de má-índole que Jenny acompanha às boates e hotéis proibidos aos menores de 21 anos - e que a leva alguns dias para Paris, em uma épooca em que era necessário uma autorização dos pais para atravessar a fronteira.
O filme me tocou porque eu passeei sozinho à noite por Londres em agosto de 1960, que me fascinava e me dava medo. Uma Londres que não tinha ainda as cores vivas do "Swinging London", a Londres em preto e branco de Christine Keeler - uma outra jovem da minha idade - que acabava de desembarcar no subúrbio e tinha encontrado um emprego de garçonete em restaurante grego de Baker Street.
A Paris do inverno de 1962 também era para os adolescentes como a cidade complicada e noturna de Manon Lescaut. Pessoas um pouco mais velhas que você poderiam ser seus intercessores, tomar-lhe sob seus cuidados, e lhe levar a lugares e situações que lhe eram proibidos por conta da idade. Com certeza, ocorria que estes cúmplices, como o David do filme, não tinham muito sentido de moral, eles lhe proporcionavam um sentimento de liberdade, retirando você por alguns momentos da prisão que era nessa época toda adolescência.
No final do filme, supõe-se que a heroína guardará até mais tarde, do seu primeiro amor, a lembrança de um erro de juventude. David não era um homem muito confiável. É verdade que uma adolescente ou um adolescente aventureiro e cheio de imaginação de 1962 não poderia se contentar com festas-surpresas tranqüilas e burguesas. As mulheres e os homens um pouco mais velhos eram envoltos em mistério - ou, pelo menos, eram o que você atribuía a eles - , e eles faziam com que você entrasse por engano em um mundo que lhe parecia misterioso e até perigoso.
Por mais suspeitos, equivocados, por mais insignificantes que eles eram com freqüência na realidade, é preciso ter um pouco de ternura por aqueles sobre os quais você se pergunta que fim tiveram e que participaram da sua "educação" e do seu começo um tanto incerto na vida.
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