(Foto: Charlotte Riley e Tom Hardy como Cathy e Heathcliff na versão da ITV1 de Wuthering Heights - Divulgação - The Guardian)
"My great miseries in this world have been Heathcliff's miseries, and I watched and felt each from the beginning, my great thought in living is himself. If all else perished, and he remained, I should still continue to be; and, if all else remained, and he were annihilated, the Universe would turn to a migthy stranger. I should not seem a part of it. My love for Linton is like the foliage in the woods. Time will change it, I'm well aware, as winter changes the trees - my love for Heathcliff resembles the eternal rocks beneath - a source of little visible delight, but necessary." (Penguin Books, p. 96)
"Meus grandes sofrimentos neste mundo foram os de Heathcliff, eu os assisti e senti desde o início, o meu único pensamento na vida é ele. Se tudo o mais desaparecesse e ele permanecesse, eu poderia continuar a existir; e, se tudo o mais permanecesse e ele fosse anulado, o Universo seria transformado em algo absolutamente estranho. Eu não seria uma parte dele. O meu amor por Linton é como a folhagem na floresta. O tempo irá mudá-lo, sei bem disso, como o inverno muda as árvores - meu amor por Heathcliff se parece com as pedras do chão - elas suscitam ínfima admiração, mas são necessárias."
O livro de abril do grupo de leitura -Chá com Jane Austen foi o Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë. De cara, dessa vez, vou abrir mão de qualquer tentativa de fazer uma análise que tenha pé e cabeça porque simplesmente fui RAPTADA do século XXI por uma história de pessoas que me pareceram surreais demais, primitivas demais, alucinadas demais, apaixonadas demais, tudo tão demais, que parecia que o texto era fosforescente. Acho que o romance - que causou muito estranhamento à época - é destes que se tornam quase narrativas mitológicas - o amor, o ciúme, o desejo, tudo em estado puro. O amor de brutos, com seus ciúmes, desejos de vingança, agressividade física e psicológica. Em suma: as paixões humanas encarnadas e visíveis, sem as convenções sociais para protegê-las, dado o isolamento geográfico do local onde a história se passa.
Mas vejam esse trecho que eu destaquei acima, de uma frase da Catherine, explicando seu amor por Heathcliff à empregada Nelly e digam se eu não tenho motivos...
Contudo vou tentar falar algumas pequenas coisas.
Foto da versão de 1992 de O morro..., com Juliette Binoche como Catherine e Ralph Fiennes, como Heathcliff. Na minha opinião, a despeito do enorme talento da atriz que eu admiro, foi um erro descomunal entregar-lhe esse papel que merecia uma atriz que passasse uma relação mais viva com o texto, e não uma francesa, que parecia estar lendo o livro em voz alta. Francamente: eu cheguei a rir em alguma passagens trágicas, quando ela falava "Oh, HeathIcliffE!", parecia filme da pantera cor-de-rosa.
Sobre o livro, o que eu gostaria de falar é da inventidade da escritora ao colocar o que eu chamo de "narração reflexiva", uma narração que se dobra sobre si mesma. O recurso da empregada contar a história para um hóspede (Lockwood) é sensacional. Ela não apenas narra os acontecimentos, mas os comenta. E o fato de que o interloctor dela - e aquele que se dirige mais diretamente ao leitor - volta e meia relativiza o que lhe é contato torna o texto mais rico. Essa "narradora de segunda mão", por sua vez, não é alguém do mesmo meio social dos personagens, então também relativiza o comportamento deles e os analisa com uma certa distância - cultural, social, comportamental. Um exemplo disso: quando a Isabella escreve a carta à Nelly, após ter fugido para se casar com Heathcliff, na qual narra seus revezes, a empregada se dirige a Loockwood dizendo qualquer coisa como, se fosse ela, teria agido diferente em sua nova casa, começando por fazer uma limpeza. Ou seja: ela tem uma certa dificuldade em assimilar a dimensão exata do sofrimento daquelas pessoas que não precisam trabalhar - e ainda quando precisam não o fazem.
Enfim: esse recurso em que a narrativa se auto-relativiza, achei sensacional, não sei até que ponto esse aspecto era inovador na literatura da época. Sei que os romances epistolares têm essa característica - a polifonia de narradores, mas duplos narradores, acho que não há muitos na literatura em geral. A única falha que eu diria é que Emily Brontë poderia ter explorado um pouco mais a presença de Lockwood, sendo que ele fica restrito a aparições eventuais (mas possivelmente ela acharia que ele "quebraria" demasiado a verossimilhança dos fatos, caso aparece com maior freqüência, interferindo na relação do leitor com o texto). Impressiona-me saber a vida tão breve e recolhida desta autora, imagino o que ela não teria feito caso tivesse vivido mais tempo, talvez outras obras ainda mais maravilhosas.
Foto da versão de 1939, que eu amo, com Laurence Olivier e Merle Oberon.
Para falar apenas de um personagem, eu escolheria Heathcliff, até porque a história daquelas famílias começam com a chegada deste estranho que irá determinar a vida de todas as pessoas. Uma coisa que me chamou a atenção desde o início: como Heathcliff se parece com o Rochester, de Jane Eyre! Aquele homem um tanto selvagem, diabólico, que luta para preservar o que ama e que não mede esforços para conseguir o que quer. A grande diferença é que Rochester sofre um processo purgatório para que possa ter uma salvação e isso não acontece com Heathcliff que vive, literalmente, em um vale de lágrimas do início ao fim. Esse protótipo de anti-herói que tanto chocou a sociedade da época acredito que tenha sido o que quebrou com as convenções românticas e catapultou a história para o futuro. A verdadeira paixão que os leitores de diferentes épocas manifestam pela obra é a prova da capacidade de sobrevivência desse livro.
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