"Les étoiles, si on les regarde fixement, émettent une clarté vacillante, discontinue, et cette lumière nous arrive longtemps après leur mort. C'est une lumière qui doute d'elle-même, et ce mystérieux tremblement, cette hésitation entre l'être et le néant, nous captive".
(Patrick Modiano, Elle s'appelait Françoise, Editora Canal +, Paris,1996, p. 29)
"As estrelas, quando observadas fixamente, emitem uma claridade vacilante, descontínua e esta luz chega até nós muito tempo depois da sua morte. É uma luz que duvida de si mesma, e essa misteriosa intermitência, essa hesitação entre o ser e o nada nos cativa".
Aproveito a Semana Modiano para falar um pouco de cinema: ou melhor, de Françoise Dorléac, mais conhecida como a irmã mais velha de Catherine Fabienne Dorléac, cujo nome artístico é Catherine Deneuve. Em 1996, Patrick Modiano e Catherine Deneuve escreveram uma fotobiografia sentimental de Françoise, cujo título é Elle s'appelait Françoise (Ela se chamava Françoise).
Imagem da Lire.
A meu ver, trata-se não apenas de uma biografia estilo "People" com fotos e fofocas de certos personagens famosos (o que inevitavelmente seria o resultado final), mas - muito provavelmente graças ao Modiano - um documento interessante para todos que estudam cinema, teatro e artes em geral. É mais que o retrato de uma época, a história de um percurso artístico: os estudos, a preparação física, psicológica sentimental de uma atriz no caminho de se tornar completa. Detalhes, por exemplo, como a história do ratinho que as duas irmãs tinham guardado no quarto que dividiam, e que demonstram por si só as sutilezas do caráter de um espírito sensível.
Catherine e Françoise dividiam o mesmo quarto na casa de seus pais, atores de teatro, dormindo em um beliche (foto abaixo - sim! Catherine era morena!). Elas convenceram o gato que tinham a não comer o rato. Um dia, o rato estava praticamente morto de frio, e o pai das meninas, Maurice Dorléac, salvou o bichinho fazendo uma massagem cardíaca.
A mãe de Françoise, Renée Deneuve, atuou no Odeon ainda criança e o seu pai era um ator estabelecido de teatro quando ela e a irmã resolveram estudar artes dramáticas, primeiro na escola de artes dramáticas Raymond Girard, depois no Conservatório de Artes Dramáticas de Paris, onde Françoise teve aulas com Robert Manuel, que a escalou para fazer Gigi, de Colette, no Teatro Antoine, em 1960, sua estréia no teatro. Françoise começou a trabalhar no cinema primeiro que a irmã, o que fez com que Catherine optasse por adotar o nome de solteira da sua mãe como nome artístico - Deneuve -para não ser confundida com Françoise.
Ela fimou com Truffaut (La peau douce), Polanski (Cul-de-sac), Jacques Demy (Les demoiselles de Rochefort), Roger Vadin (La Ronde), Philippe de Broca (L'homme de Rio), entre muitos outros (foram 16 filmes!). Este último, foi filmado no Brasil e a sua personagem, Solange, fazia par com o personagem de Jean Paul Belmondo, Adrien Dufourquet.
"O problema que existia para mim durante muito tempo é que me era totalmente impossível falar de Françoise. Ainda que lamentando isso, ainda que sabendo que eu não era responsável pelo acontecido, eu deixei o silêncio se instalar. Agora mesmo, custa-me um esforço descomunal estar aqui".
(depoimento de Catherine Deneuve a Modiano no livro, p. 40).
Durante as filmagens de Les demoiselles de Rochefort, de Jacques Demy.
Eu AMO esse filme. Uma das minhas cenas preferidas, na sala de dança:
Foto The Guardian
Foto Daily Telegraph
No Rio de Janeiro, durante as filmagens de l'Homme de Rio, em 1963. O filme é um "samba do francês doido", uma aventura rocambolesca de caça a um tesouro roubado, em que o Belmondo faz um 007 às avessas, meio sem querer, atrás da sua namorada seqüestrada e trazida ao Brasil por gângsters arqueólogos. Brasília é misturada com Rio, não há nenhuma precisão geográfica em nada e há um menino na favela que fala francês!
Cena hilária do filme l`Homme de Rio (lômi de Riô, em francês...)
"En ce mois de juin 1996, on se demande ce qu'on a bien pu faire pendant ces trente dernières années, qui se mêlent aux années précédentes, quelquefois par un phénomène de surimpression.
Je me retourne vers ma jeunesse sans trop de mélancolie. Est-ce une illusion? Il me semble que le temps devient transparent, que les saisons, celles d'hier et d'aujourd'hui, achèvent de se confondre dans une sorte de présent éternel.
Je me souviens qu'à ceux qui lui demandaient la date de sa naissance, Françoise Dorléac disait: 'Le 21 mars, le premier jour du printemps...'
Voilà la saison qu'elle évoquera toujours pour moi."
Patrick Modiano (Elle s'appelait..., p. 36)
“Neste mês de junho de 1996, nós nos perguntamos o que fizemos nestes últimos trinta anos, que se confundem com os anos precedentes, algumas vezes por um fenômeno de sobreposição.
É sem excesso de melancolia que eu retorno à minha juventude. Teria sido uma ilusão? Parece que o tempo se torna transparente, que as estações de ontem e de hoje se confundem por fim em uma espécie de presente eterno.
Eu me lembro que àqueles que perguntavam a ela sobre a data do seu nascimento, Françoise Dorléac dizia: ‘dia 21 de março, o primeiro dia da Primavera...’
Eis a estação que imagem dela sempre trará para mim.”
Uma pena que tenha morrido tão cedo. Um currículo com 16 filmes, e ainda sob a direção de Truffaut, Polanski e Roger Vadin, em apenas 25 anos de vida é de impressionar mesmo!
P.S.: Não há o que corrigir, seu francês é muito melhor do que o meu!
Posted by: Agnes Rissardo | terça-feira, março 16, 2010 at 11:54
Merci! Mande nouvelles das franças, menina!
Posted by: Marcia Caetano | segunda-feira, março 29, 2010 at 14:34