"Ce sont des personnes qui laissent peu de traces derrières elles. Presque des anonymes. Elles ne se détachent pas de certaines rues de Paris, de certains paysages de banlieu, où j'ai découvert, par hasard, qu'elles avaient habité. Ce que l'on sait d'elles se résume souvent à une simple adresse. Et cette précision topographique contraste avec ce que que l'on ignorera pour toujours de leur vie - ce blanc, ce bloc d'inconnu et de silence".
(Modiano, Dora Bruder, p. 28, Gallimard Folio, 99)
"São pessoas que deixam poucas pistas atrás delas. Praticamente anônimas. Elas não se diferenciam muito de certas ruas de Paris, de certas paisagens do subúrbio nas quais eu descobri por acaso que elas haviam morado. O que sabemos delas resume-se na maioria das vezes a um simples endereço. E esta precisão topográfica contrasta com o que nunca saberemos sobre estas vidas - esse branco, esse bloco de ignorância e de silêncio.
Dora Bruder (1997) foi o livro que eu escolhi para fazer minha dissertação de mestrado na UFRJ. A história da jovem de 15 anos que foge de casa e é encaminhada à polícia após os pais haverem publicado um anúncio de jornal à procura dela não talvez não tivesse tido maiores conseqüências, não fosse o ano 1941, ano em que a França estava ocupada por alemães, não fossem o pai e a mãe de Dora imigrantes judeus. Modiano poderia ter escolhido romancear a história de Dora, transcrever seus pensamentos imaginados, supor seus atos, traçar o retrato da adolescente rebelde. Porém a imagem de Dora se sobrepôs ao texto, à literatura, à História. A imagem do (belo) rosto da menina com olhos estranhamente plácidos (ao menos para nós, que sabemos do seu destino) nos interpela, tira-nos da nossa tranqüila existência e nos perturba, assim como deve ter perturbado Patrick Modiano.
Para mim, até hoje, esse livro se destaca na volumosa obra de Patrick Modiano por várias razões. Não se trata mais da linha padrão dos inúmeros romances, dos quais muitos sobre a Ocupação. O autor se volta para o leitor com uma franqueza inaudita, conversa conosco falando dessa perturbação causada pelo encontro com Dora Bruder, reconstrói a sua própria história pessoal à medida que conhece detalhes da vida da jovem fugitiva, fala sobre o discurso histórico, literário, misturando biografia, com autobiografia, ensaio, crítica, registro documental. Trata-se de um texto cujo tema se interpôs à definição da forma e que angustia na sua própria escrita, como angustia na leitura. Na minha opinião, é singular.
Procura-se uma jovem. Dora Bruder, 15 anos, 1,55 metros, rosto oval, olhos marrom acinzentados, casaco esporte cinza, pullover vinho, saia e chapéu azul-marinhos, sapatos marrons. Sobre qualquer informação contactar o sr. e a sra. Bruder, boulevard Ornano número 41, Paris.
Dora Bruder publicado pela Rocco no Brasil:
Foto e informações retiradas do texto de Josette Modave, escrito em 13 de maio de 2009.
A partir de maio de 1940, Dora Bruder é interna do Saint-Cœur-de-Marie, situado na rua de Picpus, números 60 a 64, no qual ele não dormiria na noite de domingo de 14 de dezembro de 1941, desaparecendo por algumas semanas. Em torno do pensionato, escreve Modiano, as batidas acontecem com freqüência: no hospital Rothschild , no orfanato Rothschild na rua Lamblardie, no hospício da rua Picpus, número 76; na rua da Gare-de-Reuilly número 48, onde são presas, em julho de 1942, nove crianças judias e suas famílias. O bairro mudou bastante após a guerra. Apenas o número 48 da rua da Gare-de-Reuilly e o hospício Rothschild da rua Picpus estão ainda lá.
Foto do site de Josette Modave do Hospício Rothschild, único prédio restante do endereço do internato onde Dora estudava quando fugiu
Em trecho interessante do livro, Patrick Modiano relê Os Miseráveis, de Victor Hugo, nas páginas em que o autor descreve a fuga de Jean Valjean e Cosette pelas ruas noturnas do subúrbio de Paris, perseguidos pela polícia. Modiano escreve:
"Cosette et Jean Valjean échappent de justesse à une patrouille de police en se laissant glisser derrière un mur. Ils se retrouvent dans un 'jardin fort vaste et d'un aspect singulier [...]'. C'est le jardin d'un couvent où ils se cacheront tous les deux et que Victor Hugo situe exactement au 62 de la rue du Petit-Picpus, la même adresse que le pensionnat du Saint-Cœur-de-Marie où était Dora Bruder". (Folio, 99, p. 52)
"Cosette e Jean Valjean escapam por pouco de uma patrulha da polícia, passando por trás de um muro. Eles se encontram em um 'jardim enorme e de aspecto singular [...].' É o jardim de um convento onde os dois se escondem e que Victor Hugo situa exatamente na rua do Petit-Picpus, número 62, o mesmo endereço do pensionato do Saint-Cœur-de-Marie onde estava Dora Bruder".
Parabéns pelo site.
Posted by: Simone Campos | terça-feira, março 16, 2010 at 23:17