Ruth Wilson e Toby Stephens, na versão para TV de 2006 de Jane Eyre, dirigida por Susanna White.
"[...] If I am guilty of a fault in my universal adorations of the sex, the women in general ought to love me the better for it."
Lovelace, em Clarissa, carta XIV
Samuel Richardson (Clarissa, Project Gutenberg ).
Este post é uma análise atrasad(íssim)a para o grupo de leitura Chá com Jane Austen, sobre o livro agendado para janeiro de 2010, Jane Eyre, de Charlotte Brontë (publicado pela primeira vez em 1847, sob o pseudônimo de Currer Bell).
Charlotte Gainsbourg como Jane Eyre, no filme de 1996 de Zeffirelli.
Um dos aspectos que chamou mais a minha atenção é a relação de forte conotação sexual entre Jane Eyre e Edward Rochester, de um modo inclusive sádico, para não dizer mórbido. Os primeiros diálogos entre eles, quando se encontram em uma estrada e ainda não sabem com quem de fato se encontraram, parecem uma luta corporal, que é ressaltada pelo enfraquecimento dele e pelo fato de que ela serve de apoio a ele. Mais tarde, após saber como a relação entre eles vai se desenvolver, reli a cena e vi o quão simbólico ela é em relação ao enredo posterior (ela se torna a "salvação" dele). Fiquei pensando: seria a total falta de amor dispensada à Jane menina pela tia uma razão para ela adquirir tal propensão ao sadismo? Essa tendência a uma idéia do relacionamento entre os sexos como algo doentio era na época uma característica da literatura inglesa (e, quiçá, da cultura).
Ian Watt, no seu The Rise of the Novel lembra que enquanto a imaginação vitoriana havia sido tomada por uma noção que indefesas donzelas poderiam ser atacadas por homens cruéis, Rochester, em Jane Eyre, produziu um estereótipo masculino que era uma combinação de animalidade aterrorizante e intelecto diabólico, o que seria igualmente patológico. Watt analisa Clarissa sob esse viés (do sadismo) e cita Richardson quando lembra o comentário de Lovelace comparando o homem com uma aranha e a mulher com uma mosca (na impressionante carta XIV da página de onde tirei a citação de Clarissa lá em cima deste post).
"Sadism is, no doubt, the ultimate form which the eighteenth-century view of the masculine role involved: and it makes the female role one in which the woman is, and can only be, the prey".
(Watt, 2000, p. 231)
Versão de 1944 de Jane Eyre, com Orson Welles e Joan Fontaine. Mais dados aqui.
Em resumo, apenas para comparar com Jane Austen, há muitos aspectos divergentes entre a obra destas duas autoras. Eu diria até que há uma visão quase diversa do que é literatura para ambas. Porém, não há como deixar de se mencionar o fator comum: a feminilidade, e, mais especificamente, o poder exercido pela mulher passava por um viés sexual praticamente irreversível (ainda que Jane Eyre pareça escapar da servidão ao casamento, ela acaba numa espécie de ápice dessa situação servil na relação amorosa).
Entretanto, a metáfora final de que o amor é a cura para a cegueira não deixa de ser uma espécie de vislumbre de que dias melhores virão!, tanto para homens, quanto para mulheres. Será?
Bibliô:
1. 2000, WATT, Ian. The rise of the novel - studies in Defoe, Richardson and Fielding. Berkley, University of California Press.
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