Anne Hathaway em Becoming Jane (2007), de Julian Jarrold.
É de fato impossível ler Jane Austen e não refletir um pouco sobre o tema. Embora a maioria de seus personagens circulem em uma esfera entre a aristocracia+alta burguesia. não há praticamente um só romance cujas relações não sejam permeadas (ou contaminadas) pelo excesso, carência ou busca (eventualmente inescrupulosa) por uma confortável situação financeira.
Sem falar nas inúmeras minúcias sobre uma vida de conforto e abundância confrontada a outra nem tanto, dais quais os romances estão repletos.
Um exemplo claro: Catherine Morland, em Abadia de Northanger, ao regressar abruptamente da casa do General Tylney e estando deprimida, ouve uma manhã de sua mãe:
"I hope, my Catherine, you are not getting out of humour with home because it is not so grand as Northanger. That would be turning your visit into an evil indeed. Wherever you are you should always be contented, but especially at home, because there you must spend the most of your time. I did not like it, at breakfast, to hear you talk so much about the French bread at Northanger". (p. 276)
"Eu espero, minha Catherine, que você não esteja se sentindo desanimada por sua casa não ser tão grandiosa quanto Northanger. Deste modo a sua visita teria resultado em algo de negativo. Onde quer que esteja, você deve procurar estar satisfeita, principalmente em casa, porque é aí que você precisa passar a maior parte do tempo. Não me agradou ouvi-la falar no café da manhã excessivamente sobre o pão francês de Northanger."
Felicity Jones, como Catherine Morland, de Northanger Abbey (2007)
E o diálogo entre Elinor e Marianne Dashwood, discutindo, junto a Edward Ferrars, em Razão e Sensibilidade, sobre qual o valor da soma necessária para se viver dignamente:
"- What have wealth or grandeur to do with happiness? (pergunta Marianne)"
- Grandeur has but little", said Elinor, "but wealth has much to do with it".
"Elinor, for shame!" said Marianne; "money can only give happiness where there is nothing else to give it. Beyond a competence, it can afford no real satisfaction, as far as mere self is concerned".
"Perhaps", said Elinor smiling, "we may come to the same point. Your competence and my wealth are very much alike, I dare say; and without them, as the world goes now, we shall both agree that every kind of external comfort must be wanting. Your ideas are only more noble than mine. Come, what is your competence?"
"About eighteen hundred or two thousand a year; not more than that".
Elinor laughed, "Two thousand a year! One is my wealth!" (p.90)
Imagem: Hattie Morahan (Elinor) e Charity Wakefield (Marianne), na versão de 2008 de Sense and Sensibility da BBC.
"O que tem a ver riqueza e grandeza com a felicidade? "(pergunta Marianne)
"Grandeza não, mas riqueza tem muito a ver com ela ".
"Elinor, que vergonha!" disse Marianne; "dinheiro só pode gerar felicidade onde não existe mais nada que possa fazê-lo. Além do necessário, o dinheiro não pode trazer nenhuma satisfação no íntimo daquele que o possui."
"Talvez", disse Elinor sorrindo, "possamos chegar ao mesmo ponto. A sua necessidade e a minha riqueza estão muito próximas, eu até diria que, sem elas, do modo como é o mundo hoje, nós somos obrigadas a concordar que há todo tipo de carência em relação ao conforto exterior. Suas idéias são apenas mais nobres que as minhas. Diga-me, qual é a (medida da) sua necessidade?"
"Cerca de mil e oitocentos ou dois mil ao ano; nada além disso."
Elinor riu, "dois mil ao ano! Mil é a minha (medida de) riqueza!"
Em muitos aspectos excepcional, Marianne Dashwood, de Razão e Sensibilidade, é, a meu ver, uma personagem típica no que diz respeito ao aspecto "conforto financeiro", talvez a única diferença é que ela tenha a ingenuidade de achar que a sua medida é outra, quando claramente nesse exemplo vê-se que não.
Em resumo, nesse aspecto, as heroínas austeanas não são nada humildes, elas querem TUDO: conforto, dinheiro, respeitabilidade e - claro - amor retribuído!
Mais sobre o tema nos próximos posts!
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