"Vivre, c'est s'obstiner à achever un souvenir".
"Viver é obstinar-se em alcançar uma lembrança".
René Char (citado por Modiano em Livret de famille)
"/.../ Je ne suis pas un enfant de ce pays. Je n'ai pas connu les grand-mères qui vous préparent des confitures, ni les portraits de famille, ni le catéchisme. Pourtant, je ne cesse de rêver aux enfances pronvinciales".
"/.../ Eu não sou um filho deste país. Nunca tive avós que preparam geléias, nem retratos de família, nem o catecismo. Contudo, não paro de sonhar com infâncias provicianas".
Patrick Modiano (La Place de l'Étoile).
Patrick Modiano faz parte dessa geração de escritores franceses nascidos durante a guerra ou no pós-guerra imediato, para os quais a memória flutua no centro de seus interesses. Não é muito difícil imaginar as razões para isso. Enquanto os escritores do Nouveau Roman viveram durante a Segunda Guerra Mundial e foram tocados direta ou indiretamente pelos acontecimentos (ao menos, uma boa parte: Claude Simon serviu em regimento de cavalaria, Samuel Beckett se engajou na Resistência, Claude Mauriac uniu-se aos gaullistas na Inglaterra, Marguerite Duras se ligou aos comunistas e - ironicamente - apaixonou-se no período por um oficial da Wehrmarcht), os escritores nascidos nos últimos anos ou nos anos subseqüentes receberam, por assim dizer, uma informação trabalhada, modificada, distorcida ou atenuada. Daí a importância, para um escritor como Patrick Modiano, por exemplo, do resgate da memória. Ainda que esta memória seja fragmentada, fluida, inviável. Ainda assim, ele persiste.
La Place de l'Étoile
Nascido em julho de 1945, Modiano se iniciou na carreira de escritor pouco após os 21 anos. Seu primeiro livro publicado, La Place de l'Étoile (1968), surge na época dos movimentos de contestação cultural e política na França. Ele opta, entretanto, por um caminho mais individualista e, com este livro, dá início à construção de uma espécie de inventário dos anos de ocupação nazista na França - compromisso que segue até hoje.
O filme de Bertulucci é sobre a juventude na época dos movimentos de maio de 68 (ano em que Patrick Modiano lança seu primeiro livro) com a qual Modiano afirmava não se identificar, mas cujos reflexos podem ser notados no ambiente de certos romances, como é o caso de Villa Triste
Manifestação em maio de 68 em Paris Os primeiros romances publicados, La Place de l'Étoile (1968), La Ronde de nuit (1969) e Les Boulevards de ceinture (1972), estabelecem a trilogia inicial da guerra, em que Modiano colocaria o seu ponto de vista sobre a ocupação.
Criado no ambiente do pós-guerra na França, Modiano foi marcado pelo clima do período de perseguição anti-semita nazista, que ainda pairava no ar como uma ameaça sobre ele, um meio-judeu. Sua mãe era uma atriz belga e seu pai, um judeu de origem italiana, que sobreviveu à guerra vivendo clandestinamente. Tendo ainda na memória os anos de ocupação, a mãe faz batizar Patrick e seu irmão Rudy na década de 50.
A esse respeito, Modiano sempre ressaltou o sentimento de uma certa impossibilidade de assimilação do judeu em um país fortemente nacionalista como a França. Freqüentemente opõe à figura internacional do judeu imigrante, que se veste, fala e age com uma miscelânea de sotaques, a imagem do francês "da terra", tradicional, de linhagem arraigada no interior do país, orgulhoso da sua língua e guardião da sua cultura.
Sob esse aspecto, La Place de l´Étoile (um trocadilho com o nome da praça onde se situa o Arco do Triunfo e a frase "o lugar da estrela", indicando onde a estrela amarela era usada na roupa dos judeus durante a ocupação - perto do coração) é rico em exemplos.
Paris durante a ocupação na Guerra
Pela forma, o conteúdo, a fluidez esquizofrênica do protagonista (sobretudo a narrativa em vai-e-vem, em formato de estrela, como observou o crítico Baptiste Roux), alguns críticos vêm no romance certas aproximações com a escrita do Nouveau Roman, no âmbito da experimentação. Porém Modiano se declara enfaticamente oposto a essa geração e a esse grupo (ainda que tenha sido inspirado pelos mesmos escritores que tiveram forte influência sobre os nouveux romanciers, como Céline, por exemplo).
(O assunto Modiano vai continuar após os posts sobre autobiografia e autoficção)
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