" Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei."
(trecho de "Não sei quantas almas tenho", de F.Pessoa)
Para falar no gênero(?) Autobiografia é preciso pelo menos mencionar o nome de Philippe Lejeune. Crítico literário francês, tornou-se um especialista na escrita autobiográfica, tendo há 30 anos lançado um livro que a definia como gênero literário, a partir da idéia do "pacto autobiográfico" (em similaridade com o "pacto romanesco"), idéia que ele próprio foi, ao longo da vida, questionando e refazendo.
A escrita autobiográfica atravessa os séculos, mas Lejeune faz um recorte a partir de certos autores franceses, como Gide, Rousseau, Perec, Leiris. Os livros-base das idéias de Lejeune são L'Autobiographie en France (1971), Le Pacte autobiographique (1975), Je est un autre (1980), Moi aussi (1986), Le Moi des demoiselles (1993), Le Journal de Lucile Desmoulins (1995), entre outros. Criou e organiza grupos de estudos pela internet e atua particularmente através dos sites da APA (Associação pela Autobiografia) e do Autopacte (algo como o "autopata"), onde ele dá uma colher de chá para quem lê inglês (felizmente!). Sei - através de entrevistas que ele concedeu - que Lejeune vem se interessando também pelos blogs e há grupos de estudo dentro da APA que se debruçam sobre eles.
Georges Perec, autor do (clássico) livro autobiográfico W ou souvenir d'enfance
Já na APA, fundada em 1992, existe uma associação amigável de pessoas interessadas pela autobiografia. Ela reúne pessoas que gostam de escrever diários ou escritos sobre si e de pessoas que gostam de ler os textos autobiográficos de outros. A APA aceita ler todos os textos autobiográficos inéditos que se queira enviar para lá e ela publica os resumos dos mesmos.
O que seria a idéia do pacto autobiográfico?
Nesse tipo de escrita, ocorreria um "pacto" entre o autor e o leitor para indicar que se trata de uma autobiografia. Nesse texto, o autor, o narrador e o protagonista são a mesma pessoa e a narrativa é conduzida por um "eu" que conta (supostamente) fatos da sua vida real. O interessante, é que, para acreditar que se trata de uma autobiografia, é preciso de um "paratexto", quer dizer, o leitor tem que OU conhecer pessoalmente o autor e, portanto, comprovar que naquele dia, naquela festa, aquilo que foi narrado de fato aconteceu, pois o leitor estava lá, OU tem que conhecer detalhes da vida do autor através de outras leituras - no caso de pessoas famosas - entrevistas, fotos publicadas, biografias feitas por outros autores etc. Daí pode-se explicar talvez a verdadeira FOME de leitura pelas biografias e mesmo pelos filmes biográficos.