"On vous classe dans de catégories bizarres dont vous n'avez jamais entendu parler et qui ne correspond pas à ce que vous êtes réellement. On vous convoque. On vous interne. Vous aimeriez bien compreendre pourquoi."
(Você é classificado em categorias bizarras, sobre as quais você nunca tinha ouvido falar e que não correspondem ao que você realmente é . Você é intimado. Preso. Você gostaria muito de compreender porque.)
(Modiano, Dora Bruder)
Um exemplo do que a participação de Patrick Modiano no roteiro trouxe ao filme é a cena em que France afirma estar "marre d'être juive" (cheia de ser judia). Essa frase em particular foi idéia de Modiano, segundo Malle. A frase, um tanto infantil e aparentemente superficial, carrega toda a gama de contradições dos personagens. Na cena, Lucien leva France para uma despedida em um posto da Gestapo, onde a empregada do lugar (que gostava de Lucien), volta-se contra ela e a chama de "sale Juive" (judia suja). Pouco tempo depois, Lucien encontra France em um banheiro, chorando, e é neste momento que ela declara "avoir marre d'être juive".
É interessante observar a relação entre Lucien e France na cena. Enquanto ela corre para chorar, Lucien fica sem ação. Um aspecto importante a destacar é que, para Lucien, France não é judia. Em nenhum momento ele fala que ela é judia e não se revela nunca consciente do fato. Quando ele decide levá-la a uma festa da Gestapo, o pai de France pergunta se ele é louco e ele responde: "não muito, senhor Horn". Mas em relação a ele, Lucien está bem consciente de que é judeu. Ele chegar a afirmar isso, de modo totalmente gratuito: "Alors comme ça vous êtes un Juif" (então, você é um judeu). Mas na cena em questão, ele é lembrado de que France é judia. Primeiro, pelas palavras da faxineira Marie. Depois, quando esta mesma afirma estar "cheia de ser judia". Mas, mesmo assim, quando confrontado à realidade de que ela é judia e ele trabalha para a Gestapo, ele não parece estar muito preocupado. Embora trabalhe para a Gestapo, ele não demonstra em nenhum momento um sentimento de antisemitismo.
Quanto à France, ela faz essa declaração desesperada porque não suporta mais a opressão em que vive. Trata-se de uma opressão em diversos níveis. Em primeiro lugar, ela é obrigada a viver enclausurada, com medo de ser enviada para um campo de concentração. Em relação a sua família, ela carrega nos ombros a tristeza do seu pai e da sua avó, que esperam para fugir para a Espanha. Em relação a sua vida sexual, ela é constantemente reprimida, por um lado, em função das outras restrições, por outro, em função da época desfavorável para as mulheres no ambiente que ela vivia, diferente do ambiente de Lucien. A vida simples de Lucien, sua maneira típica de camponês que se relaciona com moças e mulheres sem as grandes restrições sociais do nível social de France, tudo isso certamente a faz sentir-se atraída por ele. Ela rejeita o fato de ser judia certamente da mesma maneira que rejeita a sociedade em que vive. Com Lucien, ela antevê uma vida mais livre, sem restrições, onde uma mulher e um homem podem se relacionar sem rótulos como "judia" e "não-judeu".
Se Lucien pertence à Gestapo, não é, portanto por convicção, como a cena demonstra e o próprio fato de que ele se apaixona por uma judia. Por outro lado, ele também não defende a Resistência, pois denuncia seu antigo professor que era chefe do movimento na região e nada faz contra a faxineira Marie para defender France. O fato de que todas as ações de Lucien carecem de profundidade e convicção demonstra que elas são motivadas pelas circunstâncias. Todas as vezes em que é confrontado, ele hesita, fica parado e não faz nada - como na cena do banheiro, em que ele hesita, antes de entrar para consolar France. Esse personagem chocava, porque mostrava que a escolha de entrar para a Colaboração não era necessariamente uma escolha contra a Resistência em prol dos valores da Gestapo.
Uma curiosidade sobre o filme é a descoberta que Louis Malle faz pelas pessoas do lugar de que eles estavam filmando a história de um rapaz de 16 anos que fez exatamente o que Lucien fez, sem nenhuma convicção política e foi executado na Liberação. Era um rapaz chamado Hercule, também, como Lucien Lacombe, muito rude, com um defeito físico que o afastava das pessoas e que colaborou com a Gestapo, que - ironicamente - usava como escritório a casa de campo da família de Malle, que ele utilizou nas filmagens.
Lacombe, Lucien (1974)
País: França, Alemanha Ocidental, Itália
Língua: Francês, Alemão, Inglês
Diretor: Louis Malle
Roteiro: Patrick Modiano
Cast:
Pierre Blaise - Lucien Lacombe
Aurore Clément - France Horn
Holger Löwenadler - Albert Horn, o alfaiate
Therese Giehse - Bella Horn
Stéphane Bouy - Jean-Bernard
Loumi Iacobesco - Betty Beaulieu
René Bouloc - Faure
Pierre Decazes - Aubert
Jean Rougerir - Tonin, chefe de polícia
Cécile Ricard - Marie, empregada do hotel
Jacqueline Staup - Lucienne Chauvelot
Ave Ninchi - Mme.Georges
Pierre Saintons - Hippolyte, o colaborador negro
Gilberte Rivet - Mãe de Lucien
Jacques Rispal - M. Laborit, o fazendeiro
Oi Marcinha!
Realmente vc tem razao - é impossível ler sobre o filme e nao ter vontade de vê-lo... Obrigada por compartilhar tanto!
Bjs
Su
Posted by: Suli | domingo, janeiro 29, 2006 at 13:53